Conselho Nacional de Justiça

Autos: ATO NORMATIVO - 0003917-90.2019.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

EMENTA

 

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. ENFRENTAMENTO. IMPERATIVO CONSTITUCIONAL (ART. 226, § 8º, CF). POLÍTICA JUDICIÁRIA NACIONAL (RESOLUÇÃO CNJ Nº 254/2018). APRIMORAMENTO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.  ADOÇÃO DE MEDIDAS ADMINISTRATIVAS E JURÍDICAS PARA IMPEDIR QUE O AGRESSOR PERSIGA, INTIMIDE, AMEACE OU COLOQUE EM PERIGO A VIDA OU INTEGRIDADE DA MULHER, OU DANIFIQUE SEUS BENS (ART. 7º, ”C” E “D, DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - "CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ"). IMPLEMENTAÇÃO DE MECANISMOS DE “AVALIAÇÃO E PROTEÇÃO QUANTO A RISCOS IMEDIATOS”, PARA PREVENIR A VIOLÊNCIA FUTURA OU EM POTENCIAL (RECOMENDAÇÃO GERAL Nº 35 DO COMITÊ PARA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER  - CEDAW, ITEM 31, ALÍNEA “A.II”). FATORES QUE INDIQUEM O RISCO DE UMA MULHER, NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR, VIR A SER NOVAMENTE AGREDIDA OU TORNAR-SE VÍTIMA DE FEMINICÍDIO. NECESSIDADE DE SUBSIDIAR A ATUAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL E DAS REDES DE ASSISTÊNCIA E DE PROTEÇÃO NA IDENTIFICAÇÃO DESSES FATORES E NA GESTÃO DO RISCO. INSTITUIÇÃO DO FORMULÁRIO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DE RISCO PARA A PREVENÇÃO E O ENFRENTAMENTO DE CRIMES E DEMAIS ATOS PRATICADOS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. RESOLUÇÃO APROVADA.

1. Por imperativo constitucional, é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º, CF), fenômeno perturbador que, em sua transversalidade, atinge todas as classes sociais.

2. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), promulgada pelo Decreto nº 1.973/1996, determina aos Estados Partes que incorporem na sua legislação interna normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como que adotem as medidas administrativas e jurídicas necessárias para impedir que o agressor persiga, intimide, ameace ou coloque em perigo a vida ou integridade da mulher, ou danifique seus bens (art. 7º, ”c” e “d”).

3. A Recomendação Geral nº 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) orienta os Estados Partes a implementarem mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial, que incluam “avaliação e proteção quanto a riscos imediatos” (item 31, alínea “a.ii”).

4. É necessário identificarem-se os fatores que indiquem o risco de uma mulher, no contexto da violência doméstica, vir a ser novamente agredida ou tornar-se vítima de feminicídio, visando subsidiar a atuação do sistema de justiça criminal e das redes de assistência e proteção na gestão do risco identificado.

5. Urge disponibilizar-se um formulário nacional de avaliação de risco que, fundado em critérios técnico-científicos, possa auxiliar os juízes a identificarem os requisitos para a eventual imposição de uma medida protetiva e/ou cautelar ao autor de um ato de violência doméstica e familiar contra a mulher.

6. Fica instituído, no âmbito do Poder Judiciário, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos de violência praticados no contexto das relações domésticas e familiares contra a mulher, tendo como objetivo o aprimoramento da prestação jurisdicional.

7. Resolução aprovada.

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - aprovar Resolução, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Daldice Santana e Arnaldo Hossepian. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 4 de junho de 2019. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

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RELATÓRIO


           O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATOR):

 

Trata-se de procedimento de Ato Normativo para a edição de Resolução, pelo Conselho Nacional de Justiça, instituindo o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 Em 5/12/18, foi assinado o Termo de Cooperação Técnica no 043/2018, entre o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Ministério de Direitos Humanos, visando a criação e a implementação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Em face da necessidade de discussão e aprovação, no âmbito do Poder Judiciário, do modelo deFormulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, instituiu-se Grupo de Trabalho destinado à criação e à implantação do modelo de formulário em questão, por intermédio da Portaria GP no 164, de 19 de dezembro de 2018. 

Essa Portaria, posteriormente alterada pela Portaria no 12, de 28 de janeiro de 2019, estabeleceu a seguinte composição para o Grupo de Trabalho: 

  

“I – Rogério Schietti Cruz, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, que o presidirá;

II – Daldice Maria Santana de Almeida, Conselheira do CNJ, que o coordenará;

III – Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva, Conselheira do CNJ;

IV – Flávia Moreira Guimarães Pessoa, Juíza Auxiliar da Presidência do CNJ;

V – Rodrigo Capez, Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ;

VI – Adriana Ramos de Mello, Juíza de Direito do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Rio de Janeiro-RJ (TJRJ);

VII – Ariel Nicolai Cesa Dias, Juiz de Direito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Foz do Iguaçu-PR (TJPR);

VIII – Deyvis de Oliveira Marques, Juiz de Direito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Parnamirim-RN (TJRN);

IX – Luciana Lopes Rocha, Juíza de Direito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga-DF (TJDFT);

X – Madgéli Frantz Machado, Juíza de Direito do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre-RS (TJRS)”. 

  

Ao Grupo de Trabalho foram conferidas as seguintes atribuições: 

  

“I – apresentar, no prazo de 90 dias, Plano de Trabalho e Cronograma de Atividades, sob a ótica do Poder Judiciário, para a concretização das ações conjuntas previstas no Termo de Cooperação Técnica;

II – discutir e propor o modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco e Proteção à Vida;

III – supervisionar a implementação de projetos-piloto em unidades da Federação para testar a aplicação do formulário de avaliação de risco e sugerir as correções e acréscimos que se fizerem necessários, como etapa preparatória para sua implementação nacional; e

IV – adotar as providências necessárias para a capacitação dos atores do sistema de justiça criminal, visando à correta aplicação e interpretação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco e Proteção à Vida”. 

  

O Grupo de Trabalho, em 8/5/19, encaminhou à Presidência do CNJ minucioso relatório de suas atividades, subscrito por seu Presidente, o Ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, e por seu Relator, Rodrigo Capez, Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ. 

O relatório noticia que foram considerados diversos modelos de avaliação de risco vigentes no exterior e no País, dentre eles o modelo adotado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios  TJDFT, boa prática paradigma construída pela rede distrital de enfrentamento à violência doméstica, sob coordenação do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), bem como o modelo sugerido pelo Relatório Final do projeto “Formulário de Risk Assessment para o CNVD: um instrumento para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher”, viabilizado por intermédio do programa Diálogos União Europeia – Brasil, de autoria dos professores portugueses Manuel Lisboa e Ana Lúcia Teixeira, e da socióloga brasileira Wânia Pasinato, que veio a ser adotado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). 

O Grupo de Trabalho reportou que, ao debater a exigência de aplicação do formulário por profissional capacitado ou a possibilidade de sua autoaplicação, optou pela conjugação de ambas as possibilidades, em face da realidade dos mais diversos rincões do País, nos quais se constata a ausência de infraestrutura policial mínima de atendimento às vítimas de violência doméstica.

Assim, onde houver profissional capacitado, a este competirá aplicar o formulário e, na sua ausência, caberá à vítima o seu preenchimento.

O Grupo de Trabalho rejeitou a inclusão, no formulário, da quantificação do risco (elevado, moderado, baixo) a que se encontraria exposta a vítima - quantificação que resultaria da tabulação dos fatores de risco, conjugada com a avaliação subjetiva realizada pelo profissional capacitado -, por entender que a avaliação do grau de risco deva ser reservada, com exclusividade, ao juiz, que motivadamente formará o seu convencimento, a partir dos fatores de risco identificados, sobre a intensidade do periculum libertatis e a medida cautelar pessoal correspondente a ser eventualmente imposta.

Ao ver do Grupo de Trabalho, a atribuição a um terceiro de uma tarefa de contornos nitidamente judiciais (quantificação do periculum libertatis e indicação da suposta medida cautelar correspondente), além de traduzir, em certa medida, “delegação” de atividade privativamente jurisdicional, poderia gerar indevida automatização de decisões penais relevantes, retirando do magistrado a liberdade de avaliar, motivadamente, a efetiva necessidade de providência cautelar.

O Grupo de Trabalho também assentou que o Formulário Nacional de Avaliação de Risco terá grande potencial para servir como indutor de políticas públicas no enfrentamento à violência doméstica, na medida em que poderá conduzir as unidades da Federação a paulatinamente disponibilizar a estrutura necessária para sua adequada implementação.

Em 2/5/19, o Grupo de Trabalho aprovou o modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco e Proteção à Vida para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher (anexo ao presente relatório), e o submeteu à apreciação da Presidência do Conselho Nacional de Justiça.

Esse modelo de formulário, aprimorado em função de contribuições dos participantes do 2º Encontro das Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar promovido pelo CNJ, compõe-se de 25 (vinte e cinco) questões objetivas para autoaplicação pela vítima, onde não houver profissional capacitado.

O Grupo de Trabalho, por fim, apontou as principais distinções entre o modelo por ele sugerido e o modelo já adotado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), in verbis:

 

“A par das diferenças quanto à forma de aplicação e ao número de questões aplicadas (o modelo do CNMP não contempla a possibilidade de autoaplicação e sua primeira parte contém 19 perguntas objetivas), o instrumento adotado pelo CNMP, diversamente do modelo proposto pelo presente Grupo de Trabalho, repousa fundamentalmente na quantificação do risco por parte do profissional responsável por seu preenchimento.

Se o que se visa é a oportuna edição de uma Resolução Conjunta CNJ-CNMP nessa seara, o Grupo de Trabalho sugere que se envidem esforços para que o modelo encampado pelo CNMP possa convergir ao modelo a ser adotado pelo CNJ, máxime considerando-se que os destinatários precípuos do formulário de avaliação de risco são os juízes, responsáveis últimos pela identificação dos pressupostos (fumus commissi delicti) e dos requisitos (periculum libertatis) para a imposição de uma medida cautelar.

Com efeito, se os juízes de primeiro grau que atuam em varas especializadas de violência doméstica, ora representados por cinco membros no Grupo de Trabalho, assentaram não aquiescer em hipótese alguma a quantificação de risco por terceiros, no que foram secundados pelos demais integrantes do Grupo, não há sentido em incluir tal proposta no formulário”.

 

É o relatório. 



 

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ATO NORMATIVO - 0003917-90.2019.2.00.0000
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VOTO

  

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:  

 

Consoante relatado, trata-se de procedimento de Ato Normativo objetivando a edição de Resolução, pelo Conselho Nacional de Justiça, instituindo o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Por imperativo constitucional, é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º, CF), fenômeno perturbador que não discrimina origem, raça, cor ou idade: em sua transversalidade, atinge todas as classes sociais.

A violência doméstica compreende, a par da violência física, a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral (art. 7º da Lei nº 11.340/2006), e encontra seu paroxismo no feminicídio, morte física da mulher que, frequentemente, é precedida de sua morte civil, derivada de seu impedimento para estudar, trabalhar, relacionar-se com outras pessoas e realizar-se plenamente.

A propósito do feminicídio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio de recente nota divulgada em 4/2/19, expressou “sua preocupação pela prevalência alarmante de assassinatos de mulheres por motivo de estereótipo de gênero no Brasil, uma vez que pelo menos 126 mulheres foram mortas no país desde o início do ano”.

Ao ensejo, a Comissão exortou o Brasil “a implementar estratégias abrangentes para prevenir tais eventos e cumprir sua obrigação de investigar, julgar e punir os responsáveis; bem como oferecer proteção e reparação integral a todas as vítimas”.

Salientou ainda a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, “segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da Organização das Nações Unidas, 40% de todos os assassinatos de mulheres registrados no Caribe e na América Latina ocorrem no Brasil” (http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2019/024.asp?fbclid=IwAR29DPySrtbfqc9X_xpF4K piKJUQJ13o83pr5lGxMQUCPJ9XQhajE-L9svQ, acesso em 1º/6/19). 

Por sua vez, o “Mapa da Violência de 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil”, já registrava que o Brasil detinha a 5ª maior taxa de feminicídios do mundo, in verbis:

 

Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo de 83 países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo. Efetivamente, só El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil. Mas as taxas do Brasil são muito superiores às de vários países tidos como civilizados:

 * 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido;

 * 24 vezes mais homicídios femininos que Irlanda ou Dinamarca;

 * 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia”.

 

Outrossim, levantamento feito pelo “Estadão Dados”, núcleo do jornal O Estado de São Paulo especializado em reportagens baseada em estatísticas, revela que, no Estado de São Pauloa cada 60 (sessenta) horas uma mulher é vítima de feminicídio, de acordo com boletins de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública (https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,uma-mulher-e-vitima-de-feminicidio-a-cada-60-horas-no-estado-de-sao-paulo,70002725469, acesso em 1º/6/19). 

O Ministério da Saúde, com base no cruzamento dos registros de óbitos com os atendimentos na rede pública de saúde entre 2011 e 2016, verificou que três em cada dez mulheres que morreram no Brasil por causas ligadas à violência eram vítimas de agressões frequentes (https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,3-em-cada-10-mulheres-que-morrem-por-violencia-tem-historico-de-agressao, 70002671084, acesso em 1º/6/19).

Inúmeros outros levantamentos e pesquisas poderiam ser agregados para demonstrar a emergencialidade da adoção de medidas que possam contribuir para a reversão desse trágico quadro.

Segundo o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça, em 2016 i) havia 892.273 casos pendentes em violência doméstica, ii) foram aplicadas 249.595 medidas protetivas e iii) foram registrados 3.339 casos de feminicídio (disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/88539-cresce-numero-de-processos-de-feminicidio-e-de-violencia-domestica-em-2018, acesso em 1º/6/19).

O mesmo levantamento do DPJ revela que, em 2017, i) havia 946.541 casos pendentes em violência doméstica, ii) foram aplicadas 291.746 medidas protetivas e iii) foram registrados 4.209 casos de feminicídio.

Por fim, em 2018 i) havia 1.009.165 casos pendentes em violência doméstica, ii) foram aplicadas 339.216 medidas protetivas e iii) foram registrados 4.461 casos de feminicídio.

vultoso e crescente número de medidas protetivas aplicadas apenas nos três últimos anos, por si só, corrobora a necessidade de se disponibilizar para o juiz uma ferramenta que identifique adequadamente os fatores de risco de ocorrência de atos futuros de violência doméstica e familiar contra a mulher, para subsidiar a escolha da medida protetiva e/ou cautelar apropriada ao caso concreto.

Essa ferramenta é exatamente o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Como sabido, a imposição pelo juiz da medida protetiva de urgência e/ou cautelar apropriada para resguardar a integridade física e psíquica da mulher vítima de violência doméstica e familiar pressupõe a correta avaliação da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do agressor (periculum libertatis).

O formulário desempenha o relevante papel de identificar os fatores que indiquem o risco de uma mulher, no contexto das relações domésticas e familiares, vir a sofrer novo ato de violência ou tornar-se vítima de feminicídio, visando subsidiar a atuação do sistema de justiça e das redes de assistência e proteção na gestão do risco identificado.

Como já tive oportunidade de ressaltar, ao tratar dos pressupostos e requisitos para a imposição de medidas cautelares pessoais no processo penal,

 

a prisão preventiva exige, além do alto grau de probabilidade da materialidade e da autoria (fumus commissi delicti), a indicação concretada situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis) e a efetiva demonstração de que essa situação de risco somente poderia ser evitada com a máxima compressão da liberdade do imputado” (HC nº 122.057/SP, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 10/10/14).

 

periculum libertatis, portanto, exige a demonstração do perigo, atual ou futuro, decorrente da liberdade do imputado (HC nº 137.066/PE, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 13/3/17).

De outra banda, pacífico, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que “a mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa” (HC nº 115.613/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe 13/8/14).

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal,

 

“[a] imposição de qualquer medida cautelar pessoal, inclusive a prisão, reclama a indicação dos pressupostos fáticos que autorizem a conclusão de que o imputado, em liberdade, criará riscos para os meios ou o resultado do processo, pois, do contrário, estar-se-ia incorrendo em verdadeira antecipação de pena.

É certo, ademais, que a prisão preventiva é a última ratio, a derradeira medida a que se deve recorrer, e somente poderá ser imposta se as outras medidas cautelares dela diversas não se mostrarem adequadas ou suficientes para a contenção do periculum libertatis (CPP, art. 282, § 6º). (HC nº 151.788/PR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 7/11/18). 

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também “é firme em assinalar que a determinação de segregar o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos  dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP” (RHC nº 79.468/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe de 14/3/17, grifo nosso).

Ora, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, enquanto instrumento capaz de identificar os fatores de risco da prática de um novo ato de violência doméstica e sua gravidade, constitui ferramenta indispensável para que o juiz possa adequadamente  identificar, qualificar e quantificar uma situação de risco para a integridade física ou psíquica da mulher, visando a imposição da medida protetiva e/ou cautelar apropriada.

Não é demais relembrar que o erro na identificação do periculum libertatis, seja subestimando-o, seja superestimando-o, poderá trazer gravíssimas consequências para a vítima (aumentando o risco a que estará exposta) ou para o imputado (v.g., decretação desnecessária de prisão cautelar).

Embora, a toda evidência, não se tenha condições de predizer o futuro, o juiz estará em condições de impor uma medida protetiva e/ou cautelar com amparo em um formulário concebido a partir de critérios científicos, o que lhe dará uma visão mais ampla e orientada da situação.

Segundo os Professores Manuel Lisboa e Ana Lúcia Teixeira, do Observatório Nacional de Violência e Gênero da Universidade Nova de Lisboa, define-se avaliação de risco como “o processo de identificar a presença de fatores de risco que afetam a probabilidade de ocorrência e a gravidade da violência futura” (1º Relatório Parcial do projeto “Formulário de Risk Assessment para o CNVD: um instrumento para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher”, de 14/8/18, concretizado por intermédio do Programa Diálogos União Europeia - Brasil).

Exemplificativamente, consideram-se fatores de risco comportamentos de ciúme excessivo ou que traduzam exercício de controle sobre a vítima, o histórico e a escalada da violência, a separação do casal, a existência de conflitos sobre a guarda de filhos, o acesso a armas.

Ao identificar os fatores que indiquem o risco de nova agressão ou de feminicídio, o formulário de avaliação busca:

 

i)       conscientizar a vítima do grau de risco a que se encontra exposta;

ii)      subsidiar a elaboração de um plano de segurança e de apoio à vítima; e

iii)     subsidiar a atuação do sistema de justiça criminal, para a imposição de medidas protetivas e/ou cautelares em desfavor do agressor.

 

Outrossim, a adoção de um formulário nacional de avaliação de risco densificaria compromissos assumidos em instrumentos internacionais de que o Brasil é signatário.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, determina aos Estados Partes que incorporem na sua legislação interna normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como que adotem as medidas administrativas e jurídicas necessárias para impedir que o agressor persiga, intimide, ameace ou coloque em perigo a vida ou integridade da mulher, ou danifique seus bens (art. 7º, ”c” e “d”).

Por sua vez, a Recomendação Geral nº 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) orienta os Estados Partes a implementarem mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial, que incluam “avaliação e proteção quanto a riscos imediatos (item 31, alínea “a.ii”);

O próprio Manual de Rotinas e Estruturação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, do Conselho Nacional de Justiça, em sua 2ª edição (setembro/18), recomenda “que seja fomentada parceria para implantação de questionário de avaliação de risco pelas Delegacias de Polícia, a ser respondido pela vítima, para subsidiar o(a) juiz(a) quando da apreciação do pedido de medidas  protetivas” (http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/0b78d517c13e632658a0780027c6bd0b. pdf, acesso em 1º/6/19).

Nesse sentido, a Carta de Recife, aprovada no X Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – FONAVID, um dos mais qualificados foros de debate sobre essa temática, realizado, em setembro de 2018, em Recife/PE, também “recomend[a] aos Tribunais de Justiça dos Estados e do DF que articulem, junto às respectivas polícias civis, a adoção de questionário de avaliação de risco, objetivo e uniforme”.

Como sabido, após o registro da ocorrência nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá a autoridade policial, dentre outras providências, “remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência” (art. 12, inciso III, da Lei nº 11.340/2006).

Ora, um dos objetivos da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, instituída pela Resolução nº 254/2018 do Conselho Nacional de Justiça, é favorecer o aprimoramento da prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar (art. 2º, inciso IX).

E não resta dúvida quanto ao potencial do formulário de avaliação de risco para o aprimoramento da prestação jurisdicional nessa seara.

É mister, portanto, padronizar e disponibilizar um formulário nacional que, fundado em critérios técnico-científicos, possa auxiliar os juízes a identificarem o risco do cometimento de um ato de violência contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, bem como sua gravidade.

O formulário nacional de avaliação de risco, como relevante instrumento para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar,  instruiria o expediente a que se refere o art. 12, inciso III, da Lei nº 11.340/2006, tornando mais ágil a identificação dos fatores de risco e sua subsequente valoração judicial.

Quanto aos termos do formulário propriamente dito, subscrevo integralmente as conclusões do Grupo de Trabalho por mim instituído para a criação e a implantação do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esse modelo, ora submetido ao Plenário do CNJ, foi construído pelo Grupo de Trabalho com base em sólidos critérios científicos e didaticamente disponibiliza aos seus aplicadores e intérpretes, a cada item, as correspondentes explicações técnicas relativas ao fator de risco que se visa identificar.

Também adiro à proposta do Grupo de Trabalho de exclusão da possibilidade de o aplicador do formulário quantificar o risco a que se encontraria exposta a vítima, por também compreender “que a avaliação do grau de risco deva ser reservada, com exclusividade, ao juiz, que motivadamente formará o seu convencimento, a partir dos fatores de risco identificados, sobre a intensidade do periculum libertatis e a medida cautelar pessoal correspondente a ser eventualmente imposta”.

Como bem salientou o relatório do Grupo de Trabalho,

 

“(...) a atribuição, a um terceiro, de uma tarefa de contornos nitidamente judiciais (quantificação do periculum libertatis e indicação da suposta medida cautelar correspondente), além de traduzir, em certa medida, “delegação” de atividade privativamente jurisdicional, poderia gerar indevida automatização de decisões penais relevantes, retirando do magistrado a liberdade de avaliar, motivadamente, a efetiva necessidade de providência cautelar”.

 

Observo que serão fundamentais, para o êxito do formulário nacional de avaliação de risco, i) fomentar, em estrita observância ao art. 8º, I, da Lei no 11.340/2006, a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social e saúde, bem como ii) capacitar servidores e magistrados para a interpretação do formulário e a gestão do risco por ele detectado, por intermédio de cursos a serem ministrados, presencialmente e a distância, pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados  ENFAM e pelas Escolas de Magistratura Estaduais e Distrital.

Reputo ainda de extrema relevância consignar que o Formulário Nacional de Avaliação de Risco ora proposto, longe de representar uma imposição do CNJ, foi democraticamente  construído com a destacada participação de Juízas e Juízes que atuam em Juizados e Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como dos participantes no 2º Encontro das Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.

Permito-me assinalar que a legitimidade com que foi idealizado e construído o modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco do CNJ prenuncia sua exitosa aceitação e aplicação no âmbito do Poder Judiciário.

Registro, por fim, os agradecimentos desta Presidência a todos os integrantes do Grupo de Trabalho por seu comprometimento e pela qualidade do modelo de formulário apresentado, que tanto irá contribuir para o aprimoramento da prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com essas considerações, submeto ao Egrégio Plenário a presente proposta de Resolução instituindo o modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, e voto por sua aprovação.

 

  

Ministro DIAS TOFFOLI

Presidente 

 



             RESOLUÇÃO No  284, DE 5 DE JUNHO DE 2019

 

Institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher  

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

 

CONSIDERANDO que é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º, CF);

CONSIDERANDO a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas que “visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 3º, § 1º, da Lei nº 11.340/2006);

CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, determina aos Estados Partes que incorporem na sua legislação interna normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como que adotem as medidas administrativas e jurídicas necessárias para impedir que o agressor persiga, intimide, ameace ou coloque em perigo a vida ou integridade da mulher, ou danifique seus bens (art. 7º, ”c” e “d”);

CONSIDERANDO que a Recomendação Geral nº 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) orienta os Estados Partes a implementarem mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial, que incluam “avaliação e proteção quanto a riscos imediatos” (item 31, alínea “a.ii”);

CONSIDERANDO que, após o registro da ocorrência nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá a autoridade policial, dentre outras providências, “remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência” (art. 12, inciso III, da Lei nº 11.340/2006);

CONSIDERANDO que a imposição, pelo juiz, da medida protetiva de urgência e/ou cautelar apropriada para resguardar a integridade física e psíquica da mulher vítima de violência doméstica e familiar pressupõe a correta avaliação da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do agressor (periculum libertatis);

CONSIDERANDO a necessidade de identificação dos fatores que indiquem o risco da mulher, no contexto das relações domésticas e familiares, vir a sofrer novo ato de violência ou tornar-se vítima de feminicídio, no intuito de subsidiar a atuação do sistema de justiça e das redes de assistência e proteção na gestão do risco identificado;

CONSIDERANDO que um dos objetivos da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, instituída pela Resolução nº 254/2018 do Conselho Nacional de Justiça, é favorecer o aprimoramento da prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar (art. 2º, inciso IX);

CONSIDERANDO que a quantificação do risco do cometimento de um ato futuro de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a individualização da correspondente medida protetiva de urgência e/ou cautelar, constituem tarefa de cunho eminentemente jurisdicional;

CONSIDERANDO a necessidade de se padronizar e de se disponibilizar, nacionalmente, um formulário que, fundado em critérios técnico-científicos, possa auxiliar os juízes a identificarem o risco do cometimento de um ato de violência contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, bem como sua gravidade, para a eventual imposição de medida protetiva de urgência e/ou cautelar;

CONSIDERANDO que o formulário nacional de avaliação de risco, como relevante instrumento para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou  cautelar, poderá instruir o expediente a que se refere o art. 12, inciso III, da Lei nº 11.340/2006;

CONSIDERANDO as conclusões do Grupo de Trabalho instituído por intermédio da Portaria GP nº 164, de 19 de dezembro de 2018, da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, visando a criação e a implantação do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Procedimento de Ato Normativo nº 0003917-90.2019.2.00.0000, na 292ª Sessão Ordinária, realizada em 4 de junho de 2019;

 

RESOLVE:  

 

Art. 1º Instituir, no âmbito do Poder Judiciário, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme modelo anexo a esta Resolução.

Art. 2º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco, como novo instrumento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, tem por objetivo identificar os fatores que indiquem o risco da mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas e familiares (art. 7º da Lei nº 11.340/2006), para subsidiar a atuação do Poder Judiciário e dos demais órgãos da rede de proteção na gestão do risco identificado.

Art. 3º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco deverá ser aplicado preferencialmente pela Polícia Civil no momento do registro da ocorrência policial, ou, na impossibilidade, pela equipe de atendimento multidisciplinar do juízo, por ocasião do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Parágrafo único. Faculta-se a utilização do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco por outras instituições, públicas ou privadas, que atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 4º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco será aplicado por profissional capacitado, admitindo-se, na sua ausência, o seu preenchimento pela própria vítima.

Art. 5º Após sua aplicação, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco de que trata esta Resolução será anexado aos inquéritos e aos procedimentos relacionados à prática de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar.

Art. 6º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco será disponibilizado eletronicamente no PJe, observada a interoperabilidade com outros sistemas de processo eletrônico.

Parágrafo único. Na impossibilidade de acesso ao formulário eletrônico, a autoridade policial ou o setor técnico do juízo deverão aplicar sua versão impressa.

Art. 7º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios, por intermédio de suas Coordenadorias da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, poderão propor ao Conselho Nacional de Justiça, fundamentadamente, alterações e/ou ajustes no conteúdo do formulário, inclusive para fins de sua adequação às realidades locais.

Art. 8º A implementação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco observará os parâmetros fixados em portaria a ser editada pelo Presidente do Conselho Nacional de Justiça, sem prejuízo da possibilidade de sua imediata utilização pelos Estados e pelo Distrito Federal.

Parágrafo único. Poderão ser instalados projetos-piloto, mediante articulação com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário locais, visando a estruturação, o aparelhamento e a capacitação da rede de proteção e de atendimento à mulher vítima de violência no âmbito das relações domésticas e familiares.

Art. 9º Os Tribunais de Justiça promoverão a capacitação em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, de magistrados e de servidores que atuem em Varas do Júri e em Juizados e Varas que detenham competência para aplicar a Lei nº 11.340/2006, com vistas à interpretação do formulário instituído por esta Resolução e à gestão do risco que por seu intermédio vier a ser identificado.

Parágrafo único. Os cursos de capacitação serão ministrados, presencialmente e à distância, pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM e pelas Escolas de Magistratura Estaduais e Distrital. 

Art. 10 O Conselho Nacional de Justiça fomentará, por meio de acordos de cooperação, a integração operacional do Poder Judiciário com o Ministério Público, a Defensoria Pública, as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação (art. 8º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006) e as organizações não governamentais.

Art. 11 Os dados estatísticos obtidos a partir da aplicação do formulário instituído por esta Resolução serão compilados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça e disponibilizados com vistas a orientar o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das políticas públicas de prevenção e de enfrentamento dos crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, preservado o sigilo da identidade das vítimas.

Art. 12 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação

  

Ministro DIAS TOFFOLI

Presidente  

 

 

  

ANEXO

 

FORMULÁRIO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DE RISCO

 

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

 

 

Identificação das Partes

  

Delegacia de Polícia: ____________________________________________

Nome da vítima: ____________________________________Idade: ______

Escolaridade: ________________________________________________

Nacionalidade: _______________________________________________

Nome do(a) agressor(a): _____________________________ Idade:_______

Escolaridade: ________________________________________________

Nacionalidade: _______________________________________________

Vínculo entre a vítima e o(a) agressor(a): ____________________________

Data: ________/________/________

 

 

Bloco I - Sobre o histórico de violência

 

 

1.   O(A) agressor(a) já ameaçou você ou algum familiar com a finalidade de atingi-la?

(   ) Sim, utilizando arma de fogo

(   ) Sim, utilizando faca

(   ) Sim, de outra forma

(   ) Não

 

2.   O(A) agressor(a) já praticou alguma(s) destas agressões físicas contra você?

(   ) Queimadura

(   ) Enforcamento

(   ) Sufocamento

(   ) Tiro

(   ) Afogamento

(   ) Facada

(   ) Paulada

(   ) Nenhuma das agressões acima

 

3.        O(A) agressor(a) já praticou alguma(s) destas outras agressões físicas contra você?

(   ) Socos

(   ) Chutes

(   ) Tapas

(   ) Empurrões

(   ) Puxões de Cabelo

(   ) Nenhuma das agressões acima

 

4.   O(A) agressor(a) já obrigou você a fazer sexo ou a praticar atos sexuais contra sua vontade?

(   ) Sim

(   ) Não

 

5.   O(A) agressor(a) já teve algum destes comportamentos?

(   ) disse algo parecido com a frase: “se não for minha, não será de mais ninguém”

(   ) perturbou, perseguiu ou vigiou você nos locais em que frequenta

(   ) proibiu você de visitar familiares ou amigos

(   ) proibiu você de trabalhar ou estudar

(   ) fez telefonemas, enviou mensagens pelo celular ou e-mails de forma insistente

(   ) impediu você de ter acesso a dinheiro, conta bancária ou outros bens (como documentos pessoais, carro)

(   ) teve outros comportamentos de ciúme excessivo e de controle sobre você

(   ) nenhum dos comportamentos acima listados

 

6.   Você já registrou ocorrência policial ou formulou pedido de medida protetiva de urgência envolvendo essa mesma pessoa?

(   ) Sim

(   ) Não

 

7.   As ameaças ou agressões físicas do(a) agressor(a) contra você se tornaram mais frequentes ou mais graves nos últimos meses?

(   ) Sim

(   ) Não

 

 

Bloco II - Sobre o(a) agressor(a)

 

 

8.   O(A) agressor(a) faz uso abusivo de álcool ou de drogas?

(   ) Sim, de álcool

(   ) Sim, de drogas

(   ) Não

(   ) Não sei

 

9.   O(A) agressor(a) tem alguma doença mental comprovada por avaliação médica?

(   ) Sim e faz uso de medicação

(   ) Sim e não faz uso de medicação

(   ) Não

(   ) Não sei

 

10.       O(A) agressor(a) já descumpriu medida protetiva anteriormente?

(   ) Sim

(   ) Não

 

11.       O(A) agressor(a) já tentou suicídio ou falou em suicidar-se?

(   ) Sim

(   ) Não

 

12.       O(A) agressor(a) está desempregado ou tem dificuldades financeiras?

(   ) Sim

(   ) Não

(   ) Não sei

 

13.       O(A) agressor(a) tem acesso a armas de fogo?

(   ) Sim

(   ) Não

(   ) Não sei

 

14.       O(A) agressor(a) já ameaçou ou agrediu seus filhos, outros familiares, amigos, colegas de trabalho, pessoas desconhecidas ou animais de estimação? 

(   ) Sim. Especifique: (   ) filhos   (   ) outros familiares (   ) outras pessoas 

(   ) animais

(   ) Não

(   ) Não sei

 

 

Bloco III - Sobre você

 

 

15.       Você se separou recentemente do(a) agressor(a) ou tentou se separar?

 

(   ) Sim

(   ) Não

 

16.       Você tem filhos?

(   ) Sim, com o agressorQuantos? _______________

(   ) Sim, de outro relacionamentoQuantos? __________________

(   ) Não

 

16.1. Se sim, assinale a faixa etária de seus filhos. Se tiver mais de um filho, pode assinalar mais de uma opção:

(   ) 0 a 11 anos

(   ) 12 a 17 anos

(   ) A partir de 18 anos

 

16.2. Algum de seus filhos é pessoa portadora de deficiência?

(   ) Sim. Quantos? __________________

(   ) Não

 

17.       Você está vivendo algum conflito com o(a) agressor(a) em relação à guarda do(s) filho(s), visitas ou pagamento de pensão?

(   ) Sim

(   ) Não

(   ) Não tenho filhos com o(a) agressor(a)

 

18.       Seu(s) filho(s) já presenciaram ato(s) de violência do(a) agressor(a) contra você?

(   ) Sim

(   ) Não

 

19.       Você sofreu algum tipo de violência durante a gravidez ou nos três meses posteriores ao parto?

(   ) Sim

(   ) Não

 

20.       Se você está em um novo relacionamento, percebeu que as ameaças ou as agressões físicas aumentaram em razão disso?

(   ) Sim

(   ) Não

 

21.       Você possui alguma deficiência ou é portadora de doenças degenerativas que acarretam condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental?

(   ) Sim. Qual(is)? _____________________________________________

(   ) Não

 

22.       Com qual cor/raça você se identifica:

(   ) branca   (   ) preta   (   ) parda   (   ) amarela/oriental   (   ) indígena

 

 

Bloco IV - Outras Informações Importantes

 

 

23.       Você considera que mora em bairro, comunidade, área rural ou local de risco de violência?

(   ) Sim

(   ) Não

(   ) Não sei

 

24.       Você se considera dependente financeiramente do(a) agressor(a )?

(   ) Sim

(   ) Não

 

25.       Você quer e aceita abrigamento temporário?

(   ) Sim

(   ) Não

 

Declaro, para os fins de direito, que as informações supra são verídicas e foram prestadas por mim, ____________________________________________

 

Assinatura da Vítima/terceiro comunicante: ___________________________

PARA PREENCHIMENTO PELO PROFISSIONAL:

(   ) Vítima respondeu a este formulário sem ajuda profissional

(   ) Vítima respondeu a este formulário com auxílio profissional

(   ) Vítima não teve condições de responder a este formulário

(   ) Vítima recusou-se a preencher o formulário

(   ) Terceiro comunicante respondeu a este formulário

 

 

 

  

 

Brasília, 2019-06-06.