Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000728-02.2022.2.00.0000
Requerente: VALTER MOROZ
Requerido: GLAIS DE TOLEDO PIZA PELUSO

 


EMENTA


PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. APURAÇÃO SATISFATÓRIA PELA CORREGEDORIA LOCAL. FATO QUE NÃO CONSTITUI INFRAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO PROVIDO. 


1. Não há indícios que demonstrem que a magistrada tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às exigências éticas da magistratura, motivo pelo qual não há subsídios para prosseguir com o aprofundamento das apurações por meio de processo administrativo disciplinar, em razão da ausência de justa causa.   

2. Recurso Administrativo não provido.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000728-02.2022.2.00.0000
Requerente: VALTER MOROZ
Requerido: GLAIS DE TOLEDO PIZA PELUSO


RELATÓRIO

            

 A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):  

Cuida-se de recurso administrativo interposto por VALTER MOROZ contra decisão da Corregedoria Nacional de Justiça que arquivou a reclamação disciplinar apresentada em desfavor de GLAIS DE TOLEDO PIZA PELUSO, Juíza de Direito com atuação na 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional do Tatuapé, Comarca de São Paulo, SP

Na inicial, o requerente alegou que a magistrada requerida agiu com irregularidade e abuso de poder, descumprindo seus deveres funcionais, ao proferir decisões “nos autos do Incidente de Cumprimento de Sentença de Cobrança de Alimentos que teve curso em duplicidade, sendo o segundo incidente aceito e processado por ela, sem respeitar a litispendência”. Complementa que a magistrada recebeu, em segunda distribuição, o processo n. 1002519-77.2018.8.26.0008 oriundo do processo principal físico n. 0047206-80.2012.8.26.0554, processado e julgado pela 3ª Vara de Família Sucessões de Santo André, SP (Id 4608919, p. 2).

Assinalou que a notícia da litispendência chegou até a magistrada na primeira oportunidade em que o requerente se manifestou nos autos, em sede de preliminar, na contestação.

Aduziu que “o objetivo principal na distribuição desse segundo incidente, estava a priori somente no INTERESSE EM CONSEGUIR NOVO DECRETO DE PRISÃO DO RECLAMANTE, tanto assim, que a inicial confessou (fls. 2 da inicial) nos autos do Incidente presidido pela Exma. Dra. Juíza Reclamada, requerido exclusivamente com a finalidade de obter a prisão do Reclamante, visto que no processo incidental em curso na outra jurisdição (3ª Vara de Família de Sucessões do Tatuapé), por motivo de já ter cumprido 30 (trinta) dias de prisão, estava na fase de execução” (Id 4608919, p. 6).

Destacou que a magistrada decretou a prisão do ora requerente, ignorando a norma legal e jurisprudencial de que aquele incidente devia ser julgado extinto em razão da litispendência.

Ressaltou que “agiu, ainda a Exma. Dra. Juíza Reclamada, com culpa na forma de negligência ao deixar de observar o dever de cuidado que deve ter sobre os processos sob sua jurisdição, esta falta, causou danos irreparáveis ao Reclamante, além do tempo perdido e irrecuperável, sem dúvida” (Id 4608919, p. 16).

Pontuou que “o Reclamante através de seu Advogado apresentou em longo arrazoado as razões de que não podia ser preso, conforme se verifica às fls. 401/430, e às fls. 432/434 complementou o pedido para mais uma vez demonstrar fatos de que se tratava de um idoso e estava no grupo de risco para a doença COVID-19”, mas, mesmo assim, a magistrada determinou a prisão.

Complementou que, após a custódia, a magistrada deve ter lido com mais apreço os fatos e ordenou a substituição da prisão em regime fechado pela domiciliar (Id 4608919, p. 20-21).

Sublinhou que “por motivos desconhecidos o pedido de contramandado de prisão, que deveria estar visível às fls. 474/475, não foi juntado aos autos e permaneceu válido perante as Autoridades Policiais competentes para sua captura, obrigando o Reclamante a mais uma vez se manifestar nos autos, como de fato o fez às fls. 598/601” (Id 4608919, p. 22).

Acrescentou que nem sequer a sua carteira de habilitação conseguiu receber, em razão do mandado de prisão em aberto, o que mais uma vez o prejudicou.

Asseriu que após seu alerta relativo ao mandado de prisão em aberto e a reiteração do argumento de que as duas demandas não poderiam prosseguir, pois se tratava de litispendência, a magistrada “decidiu remeter os autos que se encontrava sob sua presidência e sob o fundamento da que se tratava de conexão e fosse remetida à 3ª Vara da Família e Sucessões do Tatuapé, simplesmente se livrando dos autos após provocar sérios prejuízos psíquicos e morais ao Reclamante subscritor desta APÓS MAIS DE 3 (TRÊS) ANOS” (Id 4608919, p. 28).

Salientou que “não deve ser afastado o prejuízo psicológico sofrido pelo Reclamante que neste período viveu sob pressão, prejudicando-o moralmente no cotidiano de sua vida, até porque para se chegar ao efetivo reconhecimento pela Exma. Dra. Juíza, que de direito existiu a conexão, como ocorreu no caso, passou-se pela fase de execução, que o levou a cumprir prisão civil, sem nenhuma complacência" (Id 4608919, p. 30). 

Requereu a apuração dos fatos e a instauração de processo administrativo para aplicação da sanção disciplinar cabível. 

Instada a apurar os fatos narrados, a Corregedoria local encaminhou a decisão que determinou o arquivamento da sindicância instaurada.

A Corregedoria Nacional de Justiça manteve a decisão da Corregedoria local, porque também não vislumbrou a existência de elementos suficientes a evidenciar a prática de falta funcional pela requerida (Id 4710563).  

O requerente interpôs o presente recurso administrativo, no qual afirma que o procedimento não deveria ter sido arquivado, reiterando que a magistrada incidiu em falta disciplinar.

A requerida apresentou contrarrazões (Id 4743314).  

É o relatório.

A07/Z09

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000728-02.2022.2.00.0000
Requerente: VALTER MOROZ
Requerido: GLAIS DE TOLEDO PIZA PELUSO

 


VOTO

            

 A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):  

O recurso não merece prosperar.

A Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo à qual a magistrada está vinculada, por ser responsável imediata pela supervisão dos trabalhos desenvolvidos pelos magistrados e pelas varas de primeiro grau de jurisdição, por conhecer a estrutura e as características relacionadas a todas as unidades judiciais do estado, e desse modo possuir condições adequadas de apurar, com qualidade e efetividade, as irregularidades apontadas no requerimento inicial, foi instada a apurar os fatos.  

Após a apuração determinada, a Corregedoria local, mediante análise dos fatos e das informações que instruem o presente expediente, concluiu pelo arquivamento do pedido de providências, por entender que os fatos narrados não traduzem, na esfera administrativo-disciplinar, indícios reveladores de conduta funcional em afronta aos deveres da magistratura, como se pode depreender da decisão a seguir transcrita (Id 4708922):  

 

Cuida-se de pedido de providências apresentado por Valter Moroz em desfavor de Glais de Toledo Piza Peluso, MM.ª Juíza de Direito da 2ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional VIII – Tatuapé, Comarca da Capital.

O requerente, executado na execução de alimentos nº 1002519- 77.2018.8.26.0008, imputa à Magistrada negligência na condução do processo e abuso de poder, em especial por não reconhecer a litispendência com o cumprimento de sentença nº 1000211- 73.2015.8.26.0008, da 3ª Vara da Família e das Sucessões do mesmo foro regional, ambos relativos a alimentos devidos por força de acordo celebrado na ação nº 0047206- 80.2012.8.26.0554, que tramitou na 3ª Vara da Família e das Sucessões de Santo André. Segundo afirma, o segundo incidente foi distribuído apenas com o fim de obter novo decreto de prisão do executado, já decretada e cumprida na execução anterior. Invoca os arts. 1º, 2º, 3º, 139, I, IV e X, 337, § 3º, 530 e 831 do Código de Processo Civil. Aduz ter a Magistrada decretado sua prisão, muito embora tenha sido alertada tanto sobre a litispendência como sobre o fato de ser idoso e integrar o grupo de risco para Covid-19. Acrescenta ter ela, posteriormente, ordenado a substituição da prisão em regime fechado pela domiciliar, com assinatura do respectivo termo de compromisso pelo reclamante em 18.12.2020. No entanto, prossegue, o contramandado de prisão não foi juntado aos autos ou entregue às autoridades competentes, continuando o mandado aberto e ativo para cumprimento. Refere ter a Magistrada, por fim, determinado a remessa dos autos à 3ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional do Tatuapé, após mais de três anos e dos sérios prejuízos morais sofridos pelo executado.

Postula a instauração de processo administrativo disciplinar destinado à aplicação das penalidades cabíveis, entre outras providências. Instado, o representante apresentou documentos de identificação (ID 1338570 e anexos).  

Autos encaminhados a este órgão censório pelo C. Conselho Nacional de Justiça, para apuração preliminar, em cumprimento a decisão proferida pela Exma. Sr.ª Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em 15.3.2022 (ID 1338576).  

A magistrada ofereceu informações (ID 1377258).

Relatado, passo a opinar.

O expediente, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, deve ser arquivado, nos termos do artigo 9º, § 2º, da Resolução nº 135/2011, do E. Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, e do artigo 99 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Isto porque os fatos subjacentes ao expediente não traduzem, na esfera administrativa disciplinar, indícios reveladores de conduta funcional em afronta aos deveres do Magistrado elencados na Lei Complementar n° 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e na Resolução CNJ n° 60/2008 (Código de Ética da Magistratura Nacional).

O representante manifesta, em síntese, inconformismo em relação a decisões proferidas pela Magistrada na execução de alimentos nº 1002519- 77.2018.8.26.0008, em especial quanto (i) ao não reconhecimento de litispendência em relação à execução nº 1000211-73.2015.8.26.0008, em trâmite da 3ª Vara da Família e das Sucessões do mesmo foro regional, por terem por objeto débitos relativos a períodos diversos, e (ii) ao decreto de prisão do executado, ora reclamante.

Contudo, cumpre ressaltar que os temas abordados pelo reclamante somente podem ser debatidos nos limites do processo judicial, inclusive com a adoção da via recursal própria e com a observância dos específicos pressupostos, ausente qualquer indício de irregularidade de interesse disciplinar.

Independentemente da correção ou não, sob o ponto de vista jurídico, dos fundamentos adotados em relação ao não reconhecimento de litispendência, com posterior reconhecimento de conexão, e à decretação de prisão do executado, as questões trazidas têm caráter estritamente jurisdicional e, portanto, são alheias ao âmbito de atuação censória desta Corregedoria Geral da Justiça, por força do disposto no art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura (“salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”), que, no particular, apenas concretiza a diretriz da independência, preconizada pelo art. 95 da Constituição Federal.

Longe de encerrar privilégio pessoal, como se sabe, trata-se de zelar por prerrogativa funcional indispensável, estabelecida a bem dos próprios jurisdicionados, atuando institucionalmente no sentido de garantir as condições objetivas de imparcialidade do magistrado, a quem se impõe assegurar a necessária autonomia para julgar com desassombro e dignidade, livre de influências externas de qualquer ordem.

Nesse sentido, os reiterados pronunciamentos do Pretório Excelso, a exemplo do que teve oportunidade de ponderar o Min. CELSO DE MELLO, na relatoria do Inq. 2699 QO (julgado 12.3.09, Pl., v.u.), in verbis: “É que a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo do ‘officium judicis’, sem o temor de sofrer por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis. A independência judicial traduz, no Estado democrático de direito, condição indispensável à preservação das liberdades fundamentais, pois, sem juízes independentes, não há sociedades nem instituições livres”.

A atuação de cunho estritamente jurisdicional dos magistrados, bem por isso, não se submetendo ao crivo disciplinar, abre ensejo única e exclusivamente à invocação das vias recursais pertinentes, desbordando nitidamente das funções ínsitas a este Órgão censório.

A adoção de providências pela Corregedoria Geral da Justiça só seria possível se a alegada incorreção de decisão judicial fosse provocada por parcialidade, desídia ou outros vícios de semelhante gravidade.

Fora dessas extraordinárias hipóteses, questões de caráter estritamente jurisdicional não podem ser revistas no âmbito administrativo-disciplinar.

Nesse exato sentido tem sido o reiterado entendimento externado pelo E. Conselho Nacional de Justiça, a exemplo do que se colhe dos seguintes precedentes: (…)

Forçoso concluir, nessa quadra de considerações, que a atuação da Magistrada representada neste expediente limitou-se a pronunciamento de cunho estritamente jurisdicional, a salvo de controle correcional, nem de longe podendo caracterizar, ainda que hipoteticamente, infração disciplinar passível de apuração nesta esfera administrativa.

Assim, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não identificado indício de falta funcional e de descumprimento dos deveres do magistrado elencados na Lei Complementar n° 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e na Resolução CNJ n° 60/2008 (Código de Ética da Magistratura Nacional), curial o arquivamento do presente expediente.

 

 Assim, nos termos do exposto na decisão recorrida, verifica-se que, de fato, não há indícios que demonstrem que a magistrada tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às exigências éticas da magistratura, motivo pelo qual não há subsídios para prosseguir com o aprofundamento das apurações por meio de processo administrativo disciplinar, em razão da ausência de justa causa.  

Ademais, não se verifica hipótese de promover revisão ou apuração complementar dos fatos.

Nesse sentido: 


“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REVISÃO DISCIPLINAR. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. APURAÇÃO SATISFATÓRIA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DE REVISÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO.

1. O Conselho Nacional de Justiça pode rever, de ofício, ou a requerimento do interessado, no prazo de 1 (um) ano, a contar da ciência da decisão proferida na origem, os processos administrativos que lá tramitaram, considerando como suficiente para afastar a decadência a primeira manifestação formal, dentro desse período, de qualquer dos legitimados previstos no art. 86 do RICNJ que expresse o interesse público de instauração da revisão disciplinar.  

2. Se a presidência do tribunal de justiça apura, com profundidade, os fatos imputados a magistrado e esclarece a questão, afastando a acusação de corrupção passiva, não há justa causa para a propositura de revisão disciplinar pela Corregedoria Nacional.  

3. Pedido de providências arquivado.” (CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005365-40.2015.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018)  

   

“RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO MANTIDO. 

A apuração satisfatória de fatos pelo órgão correcional estadual competente, como no caso, obsta nova apuração em sede de reclamação disciplinar perante o CNJ. Recurso não provido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 559 - Rel. Cesar Asfor Rocha - 59ª Sessão Ordinária - julgado em 25/03/2008)

 

Dessa forma, mantenho íntegra a decisão que determinou o arquivamento do pedido de providências.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É como voto.

 

A07/Z09