Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009076-82.2017.2.00.0000
Requerente: PRIMEIRA CAMARA DE MEDIACAO E CONCILIACAO DE MATO GROSSO LTDA - ME e outros
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

CONSULTA. RESOLUÇÃO CNJ 125/2010. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ATO NORMATIVO DE TRIBUNAL LOCAL. COMPETÊNCIA PARA SUSPENDER ATIVIDADES DE CÂMARA PRIVADA DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO. MEDIAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. PARECER DA COMISSÃO PERMANENTE DE ACESSO À JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSULTA RESPONDIDA.  

I Consulta formulada com vista a se obter posicionamento deste Conselho quanto à legalidade de dispositivos de ato normativo editado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. 

II – Questionamentos relativos à suspensão de atividades de câmara privada de mediação e conciliação pelo TJMT, bem como sua abrangência quanto à esfera extrajudicial.

III A Consulta formulada possui repercussão perante o Poder Judiciário nacional e, portanto, carrega em si abstração suficiente para ensejar o conhecimento da matéria por este Conselho. Atende, dessa forma, ao disposto no artigo 89 do Regimento Interno.  

IV Consulta respondida. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu à Consulta, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, o Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 11 de setembro de 2018. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Cármen Lúcia, Humberto Martins, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0009076-82.2017.2.00.0000
Requerente: PRIMEIRA CAMARA DE MEDIACAO E CONCILIACAO DE MATO GROSSO LTDA - ME e outros
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO 

Trata-se de CONSULTA formulada pela PRIMEIRA CÂMARA DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO DE MATO GROSSO LTDA e FABIANA AMORIN DE FREITAS relativa à aplicação do Código de Processo Civil – no tocante a seus artigos 172[1] e 173[2] – e da Resolução CNJ 125/2010 ante à “Ordem de Serviço nº 03/2016- NUPEMEC”, ato normativo infralegal do Poder Judiciário Mato-Grossense, no que respeita à penalização de atividades de mediação e conciliação privada.

Alegam as Consulentes que o Código de Processo Civil permite que haja a criação, por parte dos Tribunais, de centros judiciários de solução consensual de conflitos. Assim sendo, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso criou em 2011 o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC-TJMT), cuja atribuição, dentre outras, é o credenciamento de câmaras privadas.

Ainda segundo as Consulentes, é fulcral, todavia, a diferenciação dos mediadores judiciais e extrajudiciais. Enquanto estes não necessitam de requisitos como registros e credenciamentos, mas apenas que “o mediador seja civilmente capaz, tenha a confiança das partes e capacitação mínima para a mediação” (ID 2304411), daqueles é exigida formação em curso superior há minimamente dois anos, além de capacitação em curso de formação e devido credenciamento junto ao Tribunal. 

Entendem que, com a delegação ao NUPECMEC-TJMT para o credenciamento das câmaras privadas, elencada na Ordem de Serviço nº 03/2016 – NUPEMEC em seu artigo 13 – segundo a consulente confrontando o art. 173, §2º do CPC por inovar no ordenamento jurídico – questiona-se, primeiramente (ID 2304411):

“É possível que um ato normativo infralegal – in casu, a Ordem de Serviço nº 03/2016-NUPEMEC (art. 13) – permita a suspensão das atividades de uma câmara privada de mediação e conciliação, sem que haja disposição correspondente do Código de Processo Civil – que alude apenas aos mediadores e conciliadores judiciais (e não às câmaras que estes porventura integrem)?”

 

Por conseguinte, perquirem ainda acerca do alcance da medida de suspensão das atividades de mediador, conciliador e da câmara privada:

“Considerando que a mediação extrajudicial não exige prévio credenciamento junto ao Poder Judiciário – o que se só ocorre na mediação judicial –, bem como que o Código de Processo Civil (Seção V – arts. 165 a 175) reporta-se tão somente à conciliação/mediação judicial, eventual medida de suspensão das atividades de um conciliador ou mediador implicaria em mera restrição do credenciamento ao Poder Judiciário, impossibilitando unicamente o exercício da mediação judicial – permitindo, assim, livremente a mediação extrajudicial –, ou resultaria na restrição ao exercício da atividade como um todo (isto é, tanto no âmbito judicial como no extrajudicial)?”

 Dada a natureza da matéria, o então Conselheiro Rogério Soares do Nascimento, em substituição regimental, solicitou parecer prévio da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania (ID 2315062), cuja manifestação foi no sentido de não ser possível “a) as atividades da câmara privada de conciliação e mediação serem suspensas em razão da falta funcional praticada, isoladamente, por um membro; b) a sanção administrativa aplicada pelo Tribunal à conciliação atingir a mediação extrajudicial” (ID 2507134).

É o necessário a relatar. 



[1] Art. 172.  O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.

[2] Art. 173.  Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que:

I - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1o e 2o;

II - atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito.

§ 1o Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo administrativo.

§ 2o O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação, se houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador, poderá afastá-lo de suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão fundamentada, informando o fato imediatamente ao tribunal para instauração do respectivo processo administrativo.

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009076-82.2017.2.00.0000
Requerente: PRIMEIRA CAMARA DE MEDIACAO E CONCILIACAO DE MATO GROSSO LTDA - ME e outros
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


VOTO 

  

Conforme relatado, a Consulta refere-se à possibilidade de ato normativo infralegal suspender as atividades de uma câmara privada, ainda que inexistente esta previsão no Código de Processo Civil, além da abrangência da restrição ao exercício da atividade do mediador.

Pois bem, para o caso que ora se analisa, tem-se que a consulta foi formulada “em tese”, possui conteúdo genérico, com repercussão perante o Poder Judiciário nacional e, portanto, carrega em si abstração suficiente para ensejar o conhecimento da matéria por este Conselho. Atende, dessa forma, ao disposto no artigo 89 do Regimento Interno: 

Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. 

§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso. 

§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral. 

 

Diante disso, as questões trazidas ao CNJ pelas Consulentes, merecem ser conhecidas.

Passo, então, a formular a resposta. 

Como fundamento de mérito, adoto o bem lançado parecer do eminente Conselheiro Fernando Mattos – coadunado na Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania – que, com propriedade atendeu ao chamamento das Consulentes, abordando com bastante critério todos os itens consignados na peça inicial. Colaciono, portanto, trechos da manifestação (ID 2507134):

 Eis o teor dos questionamentos formulados pelos consulentes:

a) É possível que um ato normativo infralegal – in casu, a Ordem de Serviço nº 3/2016 – NUPEMEC (art. 13) – permita a suspensão das atividades de uma câmara privada de mediação e conciliação, sem que haja disposição correspondentes no Código de Processo Civil – que alude apenas aos mediadores e conciliadores judiciais (e não às câmaras que estes porventura integrem)? 

b) Considerando que a mediação extrajudicial não exige prévio credenciamento junto ao Poder Judiciário – que só ocorre na mediação judicial -, bem como que o Código de Processo Civil (Seção V – arts. 165 a 175) reporta-se tão somente à conciliação/mediação judicial, eventual medida de suspensão das atividades de um conciliador ou mediador implicaria em mera restrição do credenciamento a Poder Judiciário, impossibilitando unicamente o exercício da mediação judicial – permitindo, assim, livremente a mediação extrajudicial -, ou resultaria na restrição ao exercício da atividade como um todo (isto é, tanto no âmbito judicial como no extrajudicial)? (sic)

(...) 

Os consulentes solicitam esclarecimento relacionados à pena de suspensão aplicada pelo TJMT pela falta ética ou ato de improbidade praticado por membro de câmara privada de conciliação e mediação, conforme disposto no artigo 13 da Ordem de Serviço 3/2016 – NUPEMEC:

Art. 13. O cometimento de infração ética ou ato de improbidade por parte do membro de câmara privada de conciliação ou mediação poderá levar à suspensão imediata das atividades da câmara a que o membro pertencer, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, pelo Juiz Coordenador do CEJUSC ou Central a que a câmara estiver vinculada, sem prejuízo para apuração da conduta e aplicação da sanção definitiva ao conciliador ou mediador infrator.

Parágrafo único. A aplicação de sanção definitiva ao membro da câmara levará à desqualificação da câmara privada perante o CEJUSC ou à Central, a ser anotada no NUPEMEC para retirada da entidade do cadastro eletrônico estadual.

Conquanto o TJMT estabeleça a possibilidade de suspensão cautelar das atividades da câmara de conciliação ou mediação em virtude de infração funcional praticada por um de seus membros, importa salientar que o Código de Processo Civil ou a Resolução CNJ 125/2010 não possui dispositivos que determinem a adoção de medida desta natureza.

Com efeito, não é possível extrair do microssistema disciplinar criado pelos artigos 172 e 173 do Código de Processo Civil a possibilidade de suspender as atividades de uma câmara privado quando um de seus membros, isoladamente, pratica falta funcional. Vejamos:

Art. 172.  O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.

Art. 173.  Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que:

I - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1o e 2o;

II - atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito.

§ 1o Os casos previstos neste artigo serão apurados em processo administrativo.

§ 2o O juiz do processo ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação, se houver, verificando atuação inadequada do mediador ou conciliador, poderá afastá-lo de suas atividades por até 180 (cento e oitenta) dias, por decisão fundamentada, informando o fato imediatamente ao tribunal para instauração do respectivo processo administrativo.

Sem embargo à possibilidade de o Tribunais expedirem normas complementares acerca da matéria para adequar as regras gerais delineadas no Código de Processo Civil e Resolução CNJ 125/2010 às especificidades locais, é preciso pontuar que tal competência é limitada. No campo disciplinar, deve ser exercida restritivamente de modo a não comportar inovações, sob pena de violar o princípio da reserva legal.

Dessa forma, em regra, a aplicação da sanção administrativa deve ser individualizada e não pode atingir conciliadores ou mediadores que não possuem vínculo com os fatos que ensejaram a falta funcional.

Entretanto, não pode ser afastada a possibilidade de o Tribunal, no exercício do poder de polícia, determinar a suspensão da câmara privada quando as circunstâncias do caso concreto indicarem que as irregularidades comprometem o funcionamento da entidade e a adoção da medida extrema é plenamente justificada.

Em relação à possibilidade de as penas de suspensão e descredenciamento impedirem conciliação e mediação extrajudicial, cumpre anotar que a atuação da câmara na seara particular prescinde de autorização do Poder Judiciário. Diante disso, não é plausível que uma sanção administrativa obste o exercício de atividade não submetida às normas do Tribunal.

Ademais, é possível inferir do artigo 13 da Ordem de Serviço TJMT 3/2016 – NUPEMEC que as sanções administrativas são direcionadas à conciliação e mediação judicial, porquanto a consequência máxima é o descredenciamento da câmara privada perante do CEJUSC e exclusão do cadastro eletrônico estadual.

Ante o exposto, a Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania se manifesta pela impossibilidade de: a) as atividades da câmara privada de conciliação e mediação serem suspensas em razão da falta funcional praticada, isoladamente, por um membro; b) a sanção administrativa aplicada pelo Tribunal à conciliação atingir a mediação extrajudicial.

É o parecer”. (ID 2507134).

 

Ante ao exposto conclui-se que:

1 – Não é possível que as atividades da câmara privada de conciliação e mediação sejam suspensas em razão da falta funcional praticada, isoladamente, por um membro;

2 – é impossível a sanção administrativa aplicada pelo Tribunal à conciliação atingir a mediação extrajudicial.

Nesse quadrante, respondo à Consulta nos termos da fundamentação.

É como voto. 

Intime-se as Consulentes.  

Dê-se ciência a todos os órgãos do Poder Judiciário.  

Após, arquive-se. 

Brasília-DF, data registrada no sistema

 

LUCIANO FROTA

Conselheiro 

 

 

 

Brasília, 2018-09-12.