ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, não ratificou a liminar, nos termos propostos pelo Conselheiro Guilherme Calmon. Vencidos os Conselheiros Fabiano Silveira (Relator), Nancy Andrighi, Ana Maria Brito Amarante, Rubens Curado, Gilberto Martins, Paulo Teixeira e Gisela Gondin. Prevaleceu o voto do Presidente, nos termos do artigo 119, inciso V, do RICNJ. Presidiu o julgamento o Conselheiro Ricardo Lewandowski. Plenário, 16 de setembro de 2014. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ricardo Lewandowski, Nancy Andrighi, Maria Cristina Peduzzi, Ana Maria Duarte Amarante Brito, Guilherme Calmon, Flavio Sirangelo, Deborah Ciocci, Saulo Casali Bahia, Rubens Curado Silveira, Luiza Cristina Frischeisen, Gilberto Martins, Paulo Teixeira, Gisela Gondin Ramos e Fabiano Silveira.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003657-86.2014.2.00.0000
Requerente: OSVALDINO LIMA DE SOUSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


RELATÓRIO

       

O requerente, candidato no concurso para Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, classificado para a segunda fase do certame, requer condição especial para realização da prova discursiva, invocando sua crença religiosa, que considera o sábado um dia santo, dedicado à adoração a Deus.

Afirma que sua convicção religiosa não permite atividades cotidianas desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado, porém seu pedido para realizar a prova em horário diverso foi negado pela comissão do concurso.

Discorreu sobre a proteção constitucional à sua liberdade de crença e que pretende apenas iniciar a prova após o pôr do sol, ficando incomunicável até este horário.

Solicitei informações ao Tribunal que, em resposta, juntou a decisão exarada em outro pedido idêntico, onde foi indeferida a pretensão do candidato, sob o argumento de que a realização de provas em horários diferenciados fere os princípios da legalidade e da impessoalidade, consoante decidiu o STJ.

É O RELATÓRIO.

 

 

 


VOTO DIVERGENTE

 

 

 

1. Adoto o bem lançado relatório do Conselheiro Fabiano Silveira, in verbis:

 

O requerente, candidato no concurso para Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, classificado para a segunda fase do certame, requer condição especial para realização da prova discursiva, invocando sua crença religiosa, que considera o sábado um dia santo, dedicado à adoração a Deus.

Afirma que sua convicção religiosa não permite atividades cotidianas desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado, porém seu pedido para realizar a prova em horário diverso foi negado pela comissão do concurso.

Discorreu sobre a proteção constitucional à sua liberdade de crença e que pretende apenas iniciar a prova após o pôr do sol, ficando incomunicável até este horário.

Solicitei informações ao Tribunal que, em resposta, juntou a decisão exarada em outro pedido idêntico, onde foi indeferida a pretensão do candidato, sob o argumento de que a realização de provas em horários diferenciados fere os princípios da legalidade e da impessoalidade, consoante decidiu o STJ.

 

 

 

VOTO:

2. Peço vênia ao Conselheiro Relator para apresentar divergência, uma vez que existe precedente deste Conselho em sentido contrário sobre o tema, senão vejamos:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA.

DATA DE REALIZAÇÃO DA PROVA SUBJETIVA EM UM SÁBADO. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. ALTERAÇÃO DO HORÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo instaurado por Julival Silva Rocha contra ato do Presidente da Comissão do XIX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz de Direito Substituto do Estado de Rondônia que agendou a prova da segunda etapa do certame para um sábado. Requer permissão para que chegue no mesmo horário que os demais candidatos e que fique aguardando, incomunicável e sob vigilância, a fim de que possa fazer a prova após o pôr do sol.

2. Em manifestação da maioria do Plenário do STF, em sede ainda de juízo de delibação, a Corte Suprema não acolheu a pretensão de se realizar provas em horários diferenciados.

3. Essa interpretação é corroborada pela jurisprudência dos Tribunais internacionais, como nos Estados Unidos (Employment Div. V. Smith); na Comissão Européia de Direitos Humanos (Chappel v. United Kingdom) e na Corte Européia de Direitos Humanos (Valsamis anda Efstratiou v. Greece).

4. Ainda que se alegue que, em Rondônia, há lei estadual garantido aos adventistas a prerrogativa de não realizar provas aos sábados, há decisões do Tribunal de Justiça que a relativizam o que, em tese, poderia servir de fundamento para a decisão denegatória contra o requerente.

5. Procedimento de Controle julgado improcedente.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005544-13.2011.2.00.0000 - Rel. NEVES AMORIM - 144ª Sessão - j. 26/03/2012).

 

O então Conselheiro Neves Amorim fundamentou seu voto em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por maioria, não acolheu o pedido de realizar provas em horário diferenciado:

 

EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada.

2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat.

3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação.

4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa.

5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso.

6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública.

7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade

8. Agravo Regimental conhecido e não provido. (STA 389 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2009, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-01 PP-00001 RTJ VOL-00215- PP-00165 RT v. 99, n. 900, 2010, p. 125-135).

 

 

3. Cumpre ressaltar ainda que o então Conselheiro Neves Amorim trouxe, em seu voto, importante pesquisa da jurisprudência dos Tribunais Internacionais sobre o tema, verbis:

 

Essa interpretação é corroborada pela jurisprudência dos Tribunais internacionais. Nos Estados Unidos, em 1993, a Suprema Corte acolheu uma lei do Novo México que bania o uso de peiote, ainda que em rituais religiosos, indicando que regras neutras não deveriam ser excepcionadas face a ponderações de caráter religioso (Employment Div. V. Smith). A Comissão Européia de Direitos Humanos, em decisão paradigma, não encontrou ilegalidade alguma na demissão de servidor público, adventista do sétimo dia, pelo Reino Unido por se recusar a trabalhar nos sábados (Chappel v. United Kingdom). A Corte Européia de Direitos Humanos, acostumada a toda sorte de ponderação envolvendo direitos fundamentais, decidiu que duas jovens, testemunhas de Jeová, não poderiam deixar de participar de desfiles militares (Valsamis anda Efstratiou v. Greece). Embora até haja decisões da Corte Européia que busquem uma acomodação (veja-se, v.g.,Tsirlis and Kouloumpas v. Greece e Thlimmenos v. Greece), normas neutras, ou seja, normas que se dirijam, em abstrato, a todos os indivíduos não podem ser excepcionadas por minorias religiosas.

 

 

4. Dessa forma, seguindo o precedente desta Casa, bem como a jurisprudência da Suprema Corte, a medida liminar, apesar de o candidato já ter realizado a prova, não deve ser ratificada para manter alinhadas a jurisprudência deste Conselho com a do STF.

5. Ante o exposto, divirjo do Conselheiro Relator e voto pela não ratificação da liminar.

É como voto.

Brasília, 2 de setembro de 2014.

 

Conselheiro GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003657-86.2014.2.00.0000
Requerente: OSVALDINO LIMA DE SOUSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

 


DECISÃO LIMINAR 

O requerente, candidato no concurso para Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, classificado para a segunda fase do certame, requer condição especial para realização da prova discursiva, invocando sua crença religiosa, que considera o sábado um dia santo, dedicado à adoração a Deus.

Afirma que sua convicção religiosa não permite atividades cotidianas desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado, porém seu pedido para realizar a prova em horário diverso foi negado pela comissão do concurso.

Discorreu sobre a proteção constitucional à sua liberdade de crença e que pretende apenas iniciar a prova após o pôr do sol, ficando incomunicável até este horário.

Solicitei informações ao Tribunal que, em resposta, juntou a decisão exarada em outro pedido idêntico, onde foi indeferida a pretensão do candidato, sob o argumento de que a realização de provas em horários diferenciados fere os princípios da legalidade e da impessoalidade, consoante decidiu o STJ.

É O RELATÓRIO. DECIDO:

 Cabe-me a apreciação do pedido de liminar, em substituição ao Conselheiro representante da Câmara dos deputados neste CNJ, conforme dispõe o art. 24, I, do RICNJ.

E, em que pesem distintas posições contrárias, entendo que o direito de agir de acordo com a crença religiosa está ligado a um importante paradigma expressado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

E o princípio da dignidade da pessoa humana é um desses pilares sobre os quais se assenta uma miríade de importantes significações para as conquistas que o Direito apenas certifica no decorrer do tempo, dando contorno mais claro ao que realmente importa para os cidadãos.

A manifestação religiosa é amplamente protegida em nosso ordenamento e, no presente caso, em nada atrapalha o certame, pois o candidato se apresentará e ficará confinado enquanto espera o pôr do sol.

Ou seja, não terá qualquer oportunidade de cruzar com outros candidatos e macular o concurso, ofendendo os princípios constitucionais da legalidade e da impessoalidade, a que se refere a decisão do Presidente da Comissão do Concurso.

Não lhe será dada também qualquer vantagem sobre os demais candidatos, pois ficará incomunicável aguardando o início da prova. Pelo contrário. Talvez haja até desvantagem, pois o Requerente será submetido a um período mais longo e cansativo, com provável aumento da ansiedade natural nessas circunstâncias.

Por essas razões é que vislumbro os requisitos para concessão da liminar. A data da prova se aproxima e o candidato certamente se debate entre sua crença e a necessidade de submeter-se à avaliação no concurso.

Por outro lado, não vislumbro prejuízo à comissão do concurso, já que, em se tratando de poucos candidatos nesta condição, não será necessário mobilizar grande quantidade de pessoas para atender à circunstância especial.

Por fim, para evitar que o presente pedido seja reprisado, estendo, desde logo, os efeitos desta decisão aos eventuais candidatos que requererem e comprovarem para a Comissão do Concurso sua condição de religiosos criacionistas.

Ante o exposto, defiro a liminar para determinar que seja autorizada a realização da prova do concurso para magistratura, em andamento, em condição especial para o Requerente e demais candidatos que requeiram e comprovem sua crença religiosa. Com efeito, o Requerente e outros porventura que professem a mesma religião: i) deverão ingressar no local do concurso no mesmo horário previsto para os demais candidatos; ii) ato contínuo, deverão ser alojados em recinto separado, onde permanecerão incomunicáveis; iii) iniciarão a prova a partir do completo pôr do sol, devendo o funcionário certificar o correspondente horário; iv) terão o mesmo tempo para a conclusão da prova, de acordo com as regras editalícias.

Cumpra-se, com urgência, intimando as partes pelo meio mais expedito.

Brasília, data infra.

        

FABIANO SILVEIRA

Conselheiro Relator

(em substituição, na forma do art. 24, I, do RICNJ) 

 

 

Brasília, 2014-09-25. 

Conselheiro Relator