Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002159-42.2020.2.00.0000
Requerente: ALAN DO NASCIMENTO OLIVEIRA e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 


EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. Fundo de Apoio aos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro (FUNARPEN/RJ). Alegação de excesso nos prazos para reembolso de atos gratuitos. SUPERVENIÊNCIA DA LEI ESTADUAL N. 10.234/2023. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA CONDUTA DO TJRJ. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 

 

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO  

Corregedor Nacional de Justiça  

 

F52/J9 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 21 de junho de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002159-42.2020.2.00.0000
Requerente: ALAN DO NASCIMENTO OLIVEIRA e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


RELATÓRIO

 

1. Trata-se de Recurso Administrativo em Pedido de Providências proposto pela ASSOCIAÇÃO DE REGISTRADORES DE PESSOAS NATURAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - ARPEN/RJ em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ.

O presente Pedido de Providências foi proposto em março de 2020 pela ARPEN-RJ, alegando que, desde 2019, os Registradores Civis do Estado do Rio de Janeiro vinham sofrendo com constantes atrasos nos pagamentos dos reembolsos dos atos gratuitos, causando grandes transtornos no gerenciamento administrativo-financeiro das serventias extrajudiciais.

Mencionou que a situação de atraso foi levada ao conhecimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro em várias oportunidades, mas, mesmo assim, os atrasos continuavam.

Apontou que, no momento da proposição do pedido de providências (março de 2020), os meses de janeiro e fevereiro daquele ano estavam pendentes de pagamento.

Dessa forma, requereu ao final:

2.1) Seja determinado, liminarmente, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o pagamento dos reembolsos atrasados dos meses de JANEIRO e FEVEIRO de 2020 referentes ao FUNARPEN (processos 2020-0601223 e 2020-0612876);

2.2) Seja determinado, liminarmente, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o pagamento do reembolso atrasado do mês de FEVEREIRO de 2020 referente ao FUNDO DO SELO (processos 2020-0612909, 2020-0612904 e 2020-0612890);

2.3) Seja determinado ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o respeito ao artigo 2º da Lei Estadual 3001/98, realizando-se o pagamento de todos os ressarcimentos do FUNDO DO SELO até o décimo dia útil do mês subsequente e do FUNARPEN dentro do mês subsequente à prática dos atos gratuitos;

2.4) A realização de inspeção deste Conselho Nacional de Justiça sobre a gestão dos respectivos FUNDOS (FUNDO DO SELO e FUNARPEN);

2.5) A publicação mensal e anual de toda a receita do FUNDO DO SELO e do FUNARPEN desde a sua criação, com a discriminação de receitas e despesas;

2.6) A possibilidade de indicação de membros desta Associação para participarem da gestão dos respectivos FUNDOS de ressarcimento de atos gratuitos.

 

O pedido liminar foi indeferido pela Decisão id 3919699.

Em Decisão de mérito (id 4170261), os pedidos 2.1 e 2.2, referentes ao reembolso dos meses de janeiro e fevereiro de 2020, não foram conhecidos, em razão de terem sido voluntariamente realizados pelo TJRJ:

O presente procedimento administrativo foi distribuído em 14/03/2020, momento anterior àqueles nos quais os reembolsos pretendidos pelos requerentes foram voluntariamente realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Os pedidos vestibulares que tinham como causa de pedir aqueles reembolsos perderam objeto, portanto.

 

Os demais pedidos foram julgados improcedentes:

Os demais pedidos iniciais, a seu turno, soerguidos em meras suposições, não possuem acervo probatório adequado. // Em conclusão, tendo em vista a resultante da instrução, integrada pelos conceitos básicos de Direito Orçamentário e Financeiro aplicáveis à espécie e pelas informações prestadas pelo Tribunal requerido, não vislumbro a presença, nestes autos, de elementos servientes à prova das irregularidades que os postulantes atribuem à gestão dos fundos citados na peça introdutória, que está deferida, nos termos de Lei Estadual, ao Tribunal requerido.

 

Irresignada, a requerente interpôs recurso administrativo (id 4191777). Alegou, em síntese, que os pedidos 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6 da inicial não foram apreciados e ensejam ação concreta e preventiva por esta Corregedoria Nacional de Justiça. São eles: a) que os ressarcimentos do Fundo do Selo e do FUNARPEN sejam realizados no mês subsequente ao da prática de atos gratuitos, sendo aquele até o décimo dia útil e este, dentro do mês; b) inspeção do CNJ sobre a gestão de mencionados fundos; c) que mencionados fundos publiquem mensal e anualmente receitas e despesas; e d) a participação de membros da ANOREG/RJ na gestão de mencionados fundos.

Contrarrazões apresentadas em id 4286982.

É o relatório.

  

  

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

F52/J9

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002159-42.2020.2.00.0000
Requerente: ALAN DO NASCIMENTO OLIVEIRA e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 


VOTO

 

2. A questão cinge-se ao ressarcimento dos atos gratuitos praticados pelas serventias de registro civil de pessoas naturais do Estado do Rio de Janeiro. Cabe aqui traçar um panorama histórico.

Anteriormente, as Leis Estaduais n. 3.001/1998 e n. 6.281/2012 estabeleciam as regras do ressarcimento dos atos gratuitos praticados pelos cartórios de registro civil fluminenses.

A Lei Estadual n. 3.001/1998 foi criada com o propósito de viabilizar, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a concessão de gratuidade nos registros civil de nascimento e assentos de óbito, bem como na emissão da primeira certidão respectiva, em consonância com as disposições da Lei Federal n. 9.534/1997.

Posteriormente, em 2012, foi editada a Lei Estadual n. 6.281/12, criando o Fundo de Apoio aos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro – FUNARPEN/RJ. Conforme o art. 2º, o FUNARPEN/RJ tinha por finalidade a compensação aos registradores civis dos atos praticados gratuitamente, salvo os atos abrangidos pela Lei Estadual n. 3.001/1998.

Ocorre que, recentemente, em dezembro de 2023, foi sancionada a Lei Estadual n. 10.234/2023, disciplinando a matéria e revogando a maioria dos dispositivos das citadas Leis Estaduais n. 3.001/1998 e n. 6.281/2012.

Segundo o art. 2º da Lei n. 10.234/2023, “o Fundo de Apoio aos Registros Civis das Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro – FUNARPEN/RJ tem por finalidade custear os atos registrais civis das pessoas naturais praticados gratuitamente pelos oficiais de registros.”

A Lei n. 10.234/2023 basicamente aglutinou as duas leis anteriores, eis que abarca o reembolso tanto dos assentos de registro civil de nascimento e óbito e emissão da primeira certidão respectiva (disciplinados anteriormente pela Lei n. 3.001/98), bem como dos demais atos gratuitos (disciplinados anteriormente pela Lei n. 6.281/12). Da mesma forma se verifica quanto às fontes de custeio, eis que entre as receitas do fundo compreendem o acréscimo no valor das custas e emolumentos (tal qual a Lei n. 6.281/12) e também o valor decorrente do selo (tal qual a Lei n. 3.001/98).

No que se refere ao fluxo de pagamento, o §2º do art. 3º da Lei n. 10.234/2023 menciona que “cumpre à Corregedoria Geral da Justiça repassar ao FUNARPEN/RJ, até o 5º dia útil de cada mês, as informações relativas à quantidade de selos adquiridos pelos serviços extrajudiciais e à quantidade e discriminação de atos praticados, de forma individualizada, por serviço extrajudicial.” Em seguida, disciplina que “caberá ao FUNARPEN/RJ efetuar o pagamento das compensações devidas até o 10º dia útil de cada mês podendo realizar as diligências necessárias a assegurar a correspondência do reembolso aos atos efetivamente praticados pelo ofício de registro.

A norma também menciona que, dos recursos recebidos pelo FUNARPEN/RJ, 2% poderão ser destinados às suas despesas de custeio e investimento (art. 3º, §7º). Já especificamente em relação às receitas recolhidas por GRERJ, estas sofrerão retenção de no mínimo 4% e até 10% pela instituição financeira depositária e serão transferidas ao Fundo Especial do TJRJ – FETJ, a título de ressarcimento de despesas operacionais (art. 3º, §3º).

Se a receita do respectivo mês for insuficiente para a compensação integral, o §9º do art. 3º dispõe que será feito rateio proporcional entre os serviços extrajudiciais beneficiários do reembolso.

Quanto à gestão do Fundo, cabe citar que a Lei Estadual n. 10.234/2023 inovou em relação às leis anteriores e concedeu assento à ANOREG/RJ e ARPEN/RJ no Conselho Diretor e no Conselho Fiscal do FUNARPEN, dispondo ainda a contratação anual de empresa de auditoria independente para a verificação das contas do fundo (art. 6º, §3º):

Art. 4º. O FUNARPEN será gerido por um Conselho Diretor eleito para um mandato de 2 (dois) anos, não permitida mais de uma reeleição sucessiva, composto do seguinte modo:

I – 1 (um) nome escolhido dentre registradores civis de pessoas naturais associados à ANOREG/RJ; I

I – 2 (dois) nomes escolhidos dentre registradores civis de pessoas naturais associados à ARPEN/RJ;

Parágrafo único. Não são elegíveis à função responsáveis pelo expediente ou interventores.

[...]

Art. 6º. O controle da arrecadação e da aplicação dos recursos do FUNARPEN/RJ será efetuado pelo Conselho Fiscal, composto por representantes eleitos para um mandato de 2 (dois) anos, não permitida mais de uma reeleição sucessiva, sendo:

I – 2 (dois) nomes escolhidos dentre registradores civis de pessoas naturais associados à ANOREG/RJ; e

II – 1 (um) nome escolhido dentre registradores civis de pessoas naturais associados à ARPEN/RJ;

§ 1º. Não são elegíveis à função responsáveis pelo expediente ou interventores.

§ 2º. Aplica-se à gestão do fundo a legislação federal e estadual pertinente no que couber.

§ 3º. O Conselho Fiscal contratará, anualmente, empresa de auditoria independente para a verificação das contas do fundo, devendo enviar cópia do parecer conclusivo produzido à Corregedoria Geral da Justiça, em formato eletrônico, conforme estabelecido em ato próprio.

 

Dessa forma, verifica-se que os pleitos aventados pela recorrente no presente pedido de providências foram contemplados ou respondidos pela Lei n. 10.234/2023, cabendo à própria recorrente a gerência e o controle da arrecadação e da aplicação dos recursos do FUNARPEN.

 

3. No que se refere aos fatos anteriores à edição da Lei n. 10.234/2023, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro informou à época que “eventual demora no reembolso legal decorre de eventual indisponibilidade de caixa do fundo, consoante previsão legal. Havendo disponibilidade de recursos, todos os procedimentos administrativos tramitam de forma célere no TJRJ [...]. Não se verifica desídia da Administração deste Tribunal de Justiça ou tampouco gestão temerária dos Fundos, sendo certo que todos os reembolsos estão sendo realizados regularmente, inclusive aqueles reclamados na petição inicial e todos os subsequentes.” (id 4286982)

 Quanto à alegação de atrasos não obstante a existência de recursos, o TJRJ ressaltou que “nem sempre a entrada de recursos em caixa representa disponibilidade financeira efetiva, haja vista a existência de recursos tarifados, como é o caso da retenção de imposto de renda realizada sobre os atos praticados pelos registradores. [...] Nenhum ente público pode assumir novas despesas avançando em recursos previamente reservados para pagamentos de passivos já existentes. Dentro desta lógica, o FUNARPEN, ao fazer a retenção de Imposto de Renda na Fonte dos Registradores, tem o dever de manter o valor a ser repassado à Receita Federal disponível até a data do efetivo pagamento, sob pena de crime de apropriação indébita. [...] Tem-se ainda que a inscrição de [restos a pagar não processados] RPNP afetam a disponibilidade de caixa, pois são despesas que dependem de liquidação, sendo mais um fator que colabora para que a expectativa do Requerente se afaste, e muito, da real capacidade financeira do FUNARPEN / RJ, o que se aplica, igualmente à conta selos.” (id 4286982)

 Quanto à existência de valores pendentes de pagamento, o TJRJ informou (id. 4816803), à época, que não havia valores pendentes de pagamento, eis que o reembolso foi depositado de acordo com o artigo 13 do Ato Executivo Conjunto n. 27/2012, in verbis:

Art. 13 -No caso de insuficiência de saldo para reembolsar a totalidade dos atos gratuitos praticados no mês-base, será feito o reembolso, para fins de quitação, na medida de disponibilidade de recursos do Fundo, consoante o disposto no artigo 4° da Lei Estadual nº. 6281/2012, procedendo-se ao pagamento proporcional do valor de cada ato."

“Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, os valores percentuais que não forem pagos não serão cumulados para efeito de crédito com previsão de satisfação em meses posteriores.

 

Quanto à publicação mensal e anual das receitas e despesas dos fundos, o TJRJ informou (id 4286982) que procedia à publicação regular dos relatórios de gestão no Portal da Transparência, através do link:  “http://www.tjrj.jus.br/web/guest/transparencia/apresentacao”.

 

4. Dessa forma, diante a superveniência da Lei n. 10.234/2023, que trouxe novas regras acerca do ressarcimento dos atos gratuitos no Rio de Janeiro, com inclusão da recorrente na gerência e no controle da arrecadação e da aplicação dos recursos do Fundo, verifica-se que o pleito inicial foi contemplado pela nova norma, além do fato de que as informações prestadas pelo TJRJ ao longo do processo mostram uma conduta conforme as normas estaduais, não havendo ilegalidade a ser reparada.

 

5. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

F52/J9