EMENTA  

 

 

ATO NORMATIVO. RECOMENDAÇÃO. CUMPRIMENTO ADEQUADO DAS DECISÕES JUDICIAIS NAS DEMANDAS DE SAÚDE PÚBLICA. CONSTRUÇÃO PELO FÓRUM NACIONAL DO JUDICIÁRIO PARA A SAÚDE – FONAJUS  E PELO GRUPO DE TRABALHO INSTITUÍDO PELA PRESIDÊNCIA DO CNJ.

1. Fixação de medidas para facilitar o cumprimento das decisões judiciais sobre saúde pública. Estratégias para qualificação dos processos judiciais.

2. Proposta encaminhada pelo Grupo de Trabalho para a construção de fluxo para o cumprimento de decisões judiciais nas ações relativas à saúde pública propostas contra a União (Portaria nº 297 do CNJ, de 5 de setembro de 2022) para o Supervisor do FONAJUS.

3. Documento elaborado de forma colaborativa com os entes públicos responsáveis pelo cumprimento das decisões judiciais e pelos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.

4. Concretização dos artigos 196 a 200 da Constituição da República Federativa do Brasil, das Leis n. 8.080/90 e 9.656/98 e das Resoluções n. 107/2010, 238/2016, 388/2021 e 479/2022 do Conselho Nacional de Justiça.

5. Recomendação que estabelece a obrigatoriedade de elaboração de fluxos de cumprimento de decisões judiciais na área da saúde pública e de manuais pelo FONAJUS e pelos Comitês estaduais de Saúde do Fórum.

6. Ato normativo aprovado.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, aprovou a Recomendação, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 17 de novembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Marcello Terto e, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

RELATÓRIO  

 

  

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RICHARD PAE KIM (RELATOR):   

   

Trata-se de ato normativo autuado com o propósito de orientar os magistrados e as magistradas acerca do cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública. 

No dia 8 de agosto de 2022, a União Federal protocolou neste Conselho Nacional de Justiça o Procedimento de Controle Administrativo n. 0004848-88.2022.2.00.000, no qual insurge-se contra o acórdão nº 0286625 do Conselho da Justiça Federal (CJF), que recomendou aos magistrados federais prolatores de decisões envolvendo o sequestro de verbas públicas que encaminhem a ordem judicial diretamente ao Secretário de Orçamento Federal do Ministério da Economia. 

Naquele procedimento, a União Federal argumentou, em síntese, que a recomendação do CJF tem impactado os processos judiciais e administrativos, na medida em que esvazia o regime legal de intimações nos processos judiciais, em face da competência da Advocacia-Geral da União para representar a União em juízo. 

Pleiteou, na ocasião, a revisão da recomendação do CJF, de modo a orientar os magistrados federais a encaminharem tais decisões à Advocacia-Geral da União.

Diante desses fatos, e considerando que Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (FONAJUS) tem atuado no sentido de buscar o efetivo cumprimento das decisões judiciais relativas às demandas de saúde pública, o então Ministro Presidente deste Conselho, Luiz Fux, determinou a instituição do Grupo de Trabalho para a construção de fluxo para o cumprimento de decisões judiciais nas ações relativas à saúde pública propostas contra a União (Portaria nº 297, de 5 de setembro de 2022). O trabalho deste grupo foi estendido diante do importante apoio dado pela eminente Presidente Ministra Rosa Weber.

O grupo de trabalho restou composto por representantes do CNJ, do CJF, da magistratura estadual e federal, da AGU, do Ministério da Saúde e do Fundo Nacional de Saúde e tem como principais atribuições (i) fomentar o aprimoramento do cumprimento das decisões judiciais na área da saúde proferidas em demandas contra a União e (ii) apresentar à Presidência do CNJ e ao FONAJUS uma proposta de recomendação sobre o tema.

Os estudos e debates realizados por este grupo levantaram diversos curto-circuitos.

Um dado que impressiona é o excesso de judicialização, com impactos nos cofres públicos. No período de 2020 a 2022 foram despendidos R$ 3.664.335.680,56 (três bilhões, seiscentos e sessenta e quatro milhões, trezentos e trinta e cinco mil, seiscentos e oitenta reais e cinquenta e seis centavos) em virtude de aquisições de medicamentos por via de dispensa ou inexigibilidade de licitação para fins de cumprimento de decisões judiciais no âmbito das demandas federais, a saber:

 

 

ANO

2022

2023

MEDICAMENTOS GLOBAL – aquisições

R$ 1.004.843.214,45

R$ 1.351.375.020,00

MEDICAMENTOS ALTO CUSTO[1] – aquisição

R$ 573.292.460,83

R$ 338.199.762,39

MEDICAMENTOS ALTO CUSTO[2] – depósito judicial

R$ 543.233.138,16

R$ 467.399.424,17

ZOLGENSMA – aquisição + depósito

R$ 289.444.049,07

R$ 358.656.470,00

 

 

Fonte: SEI/DJUD/MS

 

O grupo de trabalho se reuniu em diversas oportunidades e acabou por concluir pela apresentação de uma recomendação que buscasse desatar alguns nós, observando as regras vigentes e a jurisprudência dominante, e que pudesse auxiliar as magistradas e os magistrados a conduzirem os referidos processos, sem violar a autonomia do livre convencimento do magistrado, garantindo os direitos fundamentais e respeitando a institucionalidade do Sistema Único de Saúde.

O texto foi encaminhado para análise dos integrantes do Comitê Executivo Nacional do FONAJUS, inclusive do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde - CONASS e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS. Aliás, como se sabe, este Comitê é composto de representantes de todo o Sistema de Justiça, como o Conselho Nacional do Ministério Público, CONDEGE, Ordem dos Advogados do Brasil e dos órgãos públicos que integram o Sistema Único de Saúde de nosso país.

Recebidas as contribuições, estas foram consolidadas, analisadas e incorporadas, quando possível, ao texto da minuta de recomendação, o qual, aprovado em sua versão final pelo colegiado do FONAJUS e por seu supervisor, ora submeto ao Colendo Plenário deste Conselho.

A proposta se soma aos demais atos do CNJ (Resoluções nºs 107, 238, 388 e 479) voltados a prestigiar e conferir mais segurança à magistratura brasileira nos processos judiciais sobre saúde pública e suplementar.

É o relatório.



[1] Foram indicados pela Advocacia Geral da União os 28 medicamentos de alto custo com maior volume da judicialização e impacto financeiro

[2] Foram indicados pela Advocacia Geral da União os 28 medicamentos de alto custo com maior volume da judicialização e impacto financeiro

 

 

VOTO  

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RICHARD PAE KIM (RELATOR):  

 

 

Cuida-se de ato normativo autuado com o propósito de regular o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.

Desde a sua criação, o Conselho Nacional de Justiça tem se preocupado com o direito da saúde e a judicialização atinente ao tema. Prova disso é a edição de vários atos normativos, alguns até hoje vigentes, dos quais menciono alguns exemplos:

 

a) Resolução nº 107, de 6.4.2010, que instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde;

b) Resolução nº 238, de 6.9.2016, que dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais, de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de varas em comarcas com mais de uma vara de Fazenda Pública;

c) Resolução nº 388, de 13.4.2021, que dispõe sobre a reestruturação dos Comitês Estaduais de Saúde, fixados pela Resolução CNJ nº 238/2016, e dá outras providências;

d) Recomendação nº 43, de 20.8.2013, que recomenda aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais que promovam a especialização de varas para processar e julgar ações que tenham por objeto o direito à saúde pública e para priorizar o julgamento dos processos relativos à saúde suplementar;

e) Recomendação nº 31, de 30.3.2010, que recomenda aos tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde;

f) Recomendação nº 36, de 12.7.2011, que recomenda aos tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, com vistas a assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde suplementar;

g) Resolução nº 479, de 11 de novembro de 2022, que dispõe sobre o funcionamento e utilização do Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus).


Todos estes atos normativos demonstram que o Conselho Nacional de Justiça não tem se furtado a auxiliar a magistratura brasileira na análise e julgamento de processos envolvendo o direito da saúde.

A propósito, a corroborar a preocupação deste Conselho com a judicialização da saúde, os números inseridos no DataJud nos últimos três anos e meio apontam que mais de 1,5 milhão de ações envolvendo o direito à saúde já deram entrada no Judiciário brasileiro[1]. Aliás, a curva ascendente no crescimento de novas demandas de saúde pública e suplementar está a preocupar e a exigir novas estratégias de atuação por parte do Judiciário estadual e federal, a saber (conforme painel estatístico do FONAJUS - DataJud):

 

a)      2020 – total de 345 mil ações distribuídas, sendo 210 mil ações de saúde pública e 135 mil ações da saúde suplementar;

b)     2021 – total de 387 mil ações distribuídas, sendo 250 mil ações na área da saúde pública e 137 mil ações na suplementar;

c)      2022 – total de 460 mil ações distribuídas, sendo 296 mil ações de saúde pública e 164 mil ações da saúde suplementar;

d)     2023 (até 31 de julho de 2023) – total de 325 mil ações distribuídas, sendo 200 mil ações na área da saúde pública e 125,4 mil na suplementar.

 

Saliente-se que os dados da judicialização da saúde de 2023 só puderam ser atualizados pelo DataJud até o mês de julho, por razões operacionais, mas a projeção de seus números nos leva à preocupante conclusão de que até dezembro de 2023 poderemos alcançar i) o total de 550 mil ações distribuídas no ano, o que importará num aumento de 19% (dezenove por cento) em relação a 2023; ii) e um aumento de 15%  (quinze por cento) na distribuição de demandas de saúde pública (340 mil novas ações) e de 12%  (doze por cento) de ações da saúde suplementar (210 mil novas ações) em relação ao ano passado.

Os dados apontam para uma necessidade de sistematizar de modo orgânico e objetivo o cumprimento das decisões, com a finalidade de conferir mais efetividade aos processos judiciais – e é este o propósito da recomendação que ora se apresenta a este colegiado.

A presente proposta se alinha à missão deste Conselho Nacional de Justiça prevista no artigo 103-B, §4º da Constituição da República Federativa do Brasil, pois permite fomentar a atuação administrativa qualificada da magistratura brasileira no tocante às demandas sobre o direito da saúde.

Com efeito, o Judiciário enfrenta vários problemas relativos ao cumprimento das decisões judiciais sobre saúde, destacando-se:

 

·               a inobservância do prazo fixado para cumprimento das liminares;

·               o depósito de valores em Juízo;

·               a administração de valores por parte do Juízo;

·        a transferências de dinheiro público para contas particulares (do autor do processo ou do fornecedor da tecnologia em saúde judicializada);

·               a licitação (abreviada) dentro do processo judicial – com a solicitação de orçamentos para compra de medicamentos;

·               a burocratização do processo judicial com a necessidade de reiteração de intimações para cumprimento;

·               os conflitos com os gestores em saúde;

·               a ausência de parâmetros para cumprimento de decisão que determina o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa;

·               a dificuldade para cumprimento de decisão que determina o fornecimento de medicamentos importados;

·               a ausência de parâmetros objetivos para fixação de prazo para realização de procedimentos, cirurgias e atendimentos;

·              e a ausência de atuação coordenada dos gestores do SUS, diante da ausência de mecanismos de ressarcimento e coordenação dos processos judiciais.

 

A presente proposta de Recomendação propõe, resumidamente:

 

a) a ampliação das consultas ao NatJus (artigo 2º);

b) o fomento à oitiva do(s) ente(s) público(s) demandado(s) (artigo 2º);

c) a observância às diretrizes de repartição de competências administrativas previstas na Lei n. 8.080/90 (artigo 3º);

d) a consulta ao portal público de registro de preço das tecnologias em saúde (artigo 4º);

e) a fixação de prazos razoáveis para o cumprimento das decisões judiciais em saúde (artigo 5º);

f) a priorização da tutela específica (artigo 6º);

g) o estímulo ao respeito à autonomia e responsabilidade do ente público para promover a dispensação do medicamento (artigo 7º);

h) o esclarecimento de que a dispensação pelo Juízo deve ser excepcional, autorizando-se apenas na hipótese de omissão do ente público no cumprimento da decisão (artigo 8º);

i) o fomento à aplicação, quando possível, da regulamentação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) em relação ao Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) (artigo 9º);

j) a recomendação de que, em casos excepcionais, proceda-se ao sequestro ou depósito de dinheiro público para cumprimento das decisões (artigo 10);

k) o auxílio na disciplina e organização da compra judicial de produtos em saúde (artigo 11);

l)  o reconhecimento da excepcionalidade da compra direta pela parte autora do processo judicial (artigo 12);

m) a parametrização mínima da prestação de contas (artigo 13);

n) o aconselhamento do monitoramento dos resultados do tratamento judicializado (artigo 14);

o) o fomento à incorporação administrativa de novas tecnologias em saúde (artigo 15);

p) cuidar do efeito judicial do abandono do tratamento judicializado (artigo 16);

q) o estabelecimento de recomendações sobre o ressarcimento (artigo 17);

r) o delineamento das consequências judiciais da superveniente incorporação administrativa da tecnologia judicializada (artigo 18);

s) e o estabelecimento de um prazo para os Comitês elaborarem os seus fluxos de cumprimento de decisões judiciais na área da saúde pública, bem como os manuais, que serão importantes para apoiar as decisões judiciais.

 

Como se observa, a proposta de recomendação contempla várias inovações importantes para a qualificação e racionalização do cumprimento das decisões judiciais em saúde, não só para as demandas propostas contra a União, mas também contra os demais entes que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS).

Apresenta-se, portanto, uma nova forma de governança dos processos judiciais sobre saúde pública, voltada a qualificar o cumprimento das decisões e proporcionar melhorias na prestação jurisdicional.

Ainda, a presente proposta de recomendação consiste em instrumento para a concretização adequada dos artigos 196 a 200 da Constituição da República Federativa do Brasil e das Leis n. 8.080/90 e 9.656/98.

Anoto que a recomendação receberá maior densidade com a publicação dos fluxos e manuais a serem construídos pelo Grupo de Trabalho, juntamente com o Comitê Executivo Nacional do FONAJUS e pelos Comitês Executivos estaduais do fórum. 

Registro os cumprimentos e agradecimentos a cada um dos membros do grupo de trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 297, de 5 de setembro de 2022,[2] e a todos os integrantes do Comitê Executivo Nacional do FONAJUS, pelo fundamental trabalho realizado e pela missão que ainda realizarão caso o Colendo Plenário do CNJ aprove esta Recomendação.

Neste contexto, submeto ao colegiado a proposta de ato normativo que dispõe sobre o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.

 É o voto.

 

 

 

                                                                                           ANEXO

 

 

                                                   RECOMENDAÇÃO No  XXX, DE XX DE XXXX DE 2023

 

 

Dispõe sobre estratégias para o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.

 

 

PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que a judicialização da saúde envolve questões complexas que exigem a adoção de medidas para proporcionar a especialização dos(as) magistrados(as) e desembargadores(as) para proferirem decisões técnicas e precisas;

CONSIDERANDO que o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde - FONAJUS, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, tem adotado medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à qualificação das decisões tomadas pelos(as) magistrados(as) e desembargadores(as), em sede de cognição sumária, além da definição de estratégias nas questões de direito sanitário, mediante estudos e formulação de proposições pertinentes;

CONSIDERANDO a importância do tratamento adequado das demandas em saúde pública com o cumprimento efetivo das decisões judiciais;

CONSIDERANDO que o Poder Judiciário enfrenta vários problemas relativos ao cumprimento das decisões judiciais sobre saúde pública, exigindo assim a formulação de estratégias para que haja a efetividade dos direitos fundamentais;

CONSIDERANDO a relevância da proposta de ato normativo elaborada pelo Grupo de Trabalho para a construção de fluxo para o cumprimento de decisões judiciais nas ações relativas à saúde pública propostas contra a União, instituído pela Portaria nº 297, de 5 de setembro de 2022, da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, que foi aprovado pelo Comitê Executivo do FONAJUS; 

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo XXXXXXXXX na XXª Sessão Virtual realizada em XX de novembro de XXXX

 

RESOLVE:

 

Art. 1° Esta Recomendação dispõe sobre estratégias para o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.

Art. 2° A fim de aferir qual o ente competente sobre o item pleiteado, a existência de evidência científica e de substitutivos terapêuticos incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e outras informações necessárias, recomenda-se a oitiva do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus), bem como do ente público demandado, em consonância com os Enunciados nº 13, 18 e 107 do FONAJUS.

Art. 3º A tutela específica deve ser ordenada prioritariamente ao ente público competente pelo seu cumprimento material, observada a repartição de competências estabelecida na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e nas respectivas normas infralegais.

§ 1º O cumprimento material da tutela específica será ordenado à União se esta tiver competência normativamente definida.

§ 2º Quando se tratar de obrigação direcionada ou de responsabilidade da União, o custeio caberá ao ente federal, com o envio do medicamento, do insumo ou do valor respectivo para as Secretarias de Saúde do ente federado responsável pela dispensação.

§ 3º Caso o ente não cumpra a ordem judicial, sendo ela redirecionada a outro ente, será oportunizado prazo para cumprimento, buscando-se evitar no primeiro momento a aplicação direta de medidas constritivas ou sancionatórias.

Art. 4º Recomenda-se consulta no portal do ente público sobre a existência e a adoção de ata de registro de preço para aquisição do medicamento.

§ 1º Constando da ata de registro de preço o medicamento em apresentação diversa da prescrita, seja em relação à dosagem, forma farmacêutica ou via de administração, poderá o juízo intimar a parte para que junte prescrição informando a possibilidade de adequação de modo a permitir um cumprimento mais célere.

§ 2º A consulta dos produtos com ata de registro de preço em vigor pode ser realizada pelos NatJus locais.

§ 3º Os Comitês Executivos de Saúde do FONAJUS e os entes públicos do SUS, sempre que possível, informarão as plataformas nas quais as informações de atas de registro de preço podem ser consultadas.

Art. 5º As decisões judiciais devem fixar prazos razoáveis para seu cumprimento.

§ 1º Os Comitês estaduais e distrital de Saúde do FONAJUS dialogarão com os gestores em saúde com a finalidade de apresentar estudos que indiquem os prazos razoáveis para cumprimento adequado das decisões judiciais, dando-se ampla divulgação aos(às) magistrados(as) e desembargadores(as), inclusive sobre informações que garantam transparência sobre a regulação e celeridade no atendimento aos usuários dos serviços.

§ 2º Quando o processo judicial tratar de tecnologia em saúde importada ou não registrada, recomenda-se ao juízo do processo fixar prazo razoável para cumprimento, não inferior a 120 (cento e vinte) dias, ressalvada a hipótese na qual o medicamento não se encontre disponível em estoque.

§ 3º A União disponibilizará aos juízes do feito a consulta aos processos de aquisição de medicamentos que sejam de sua competência, segundo as políticas e programas de assistência farmacêutica, mediante acesso externo.

Art. 6º Nas ações que tenham por objeto o fornecimento de medicamentos, insumos e tratamentos de saúde, será privilegiada a tutela específica, consistente no cumprimento in natura da prestação, mediante fornecimento administrativo ou entrega intermediada pelo juízo.

Art. 7º A forma de aquisição, o local e o procedimento de entrega dos produtos e medicamentos serão definidos pelo ente público responsável pelo cumprimento.

§ 1º Nas dispensações contínuas, recomenda-se que a decisão determine à parte autora do processo que apresente periodicamente receita médica atualizada, indicando a necessidade e a indispensabilidade do tratamento, diretamente ao ente responsável pelo cumprimento ou ao ente responsável pela dispensação.

§ 2º Na hipótese excepcional de entrega do medicamento, do produto ou da tecnologia na residência da parte autora, caberá a ela informar o respectivo recebimento no processo judicial.

Art. 8º Em caso de impossibilidade ou não cumprimento da decisão judicial via fornecimento administrativo, na ausência de outros critérios ou de indicação de prazo necessário pelo ente público responsável para cumprimento da ordem judicial, em caso de prestação continuada, recomenda-se ao juízo determinar o depósito para aquisição do bem suficiente para 3 (três) meses de tratamento, renovando a determinação por iguais períodos até que ocorra a continuidade do tratamento com o fornecimento administrativo, observadas as regras atinentes à prestação de contas.

Art. 9º Para liquidação do valor da prestação, deve-se observar a regulamentação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) em relação ao Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) com redução de valor mediante aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), nos termos da sua Resolução nº 3, de 2 de março de 2011 (arts. 2º, 3º, 4º, 6º e 7º), e suas posteriores alterações, e que vincula inclusive distribuidoras, empresas produtoras de medicamentos, representantes, postos de medicamentos, unidades volantes, farmácias e drogarias, ou, ainda, preços registrados em atas de registro de preços que observem a referida regulamentação geral (PMVG/CAP), sempre buscando, em qualquer caso, aquele que seja identificado como o menor valor.

§ 1º O ressarcimento de serviços de saúde prestados por unidade privada em favor de paciente do SUS, em cumprimento de ordem judicial, deve utilizar como critério aquele adotado para o ressarcimento do SUS por serviços prestados a beneficiários de planos de saúde, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º Não sendo possível a aferição do valor do medicamento, insumo ou serviço na forma deste artigo, caberá à parte autora apresentar até três orçamentos, justificando fundamentadamente eventual impossibilidade.

Art. 10. O valor necessário à aquisição e dispensação judicial será depositado, bloqueado ou sequestrado em conta dos entes devedores.

§ 1º Cabe ao demandado a adoção das medidas necessárias para o cumprimento da decisão em prazo razoável, não se recomendando ao juízo a adoção imediata de medidas como bloqueio de valores ou sequestro.

§ 2º O ente público responsável que informar a impossibilidade do cumprimento in natura depositará o valor, ou pleiteará que seja feito o bloqueio em suas próprias contas, informando os dados bancários da conta a ser bloqueada.

§ 3º O sequestro e bloqueio de valores observará as competências estabelecidas no ordenamento jurídico do SUS quanto à responsabilidade do ente competente pelo financiamento do tratamento.

§ 4º Recomenda-se que não sejam objetos de sequestro ou bloqueio as contas bancárias de servidores públicos envolvidos no cumprimento de decisões judiciais, contas com recursos oriundos de convênios celebrados pelos entes e ativos públicos.

§ 5º Deve-se evitar a decretação de prisão de servidores públicos, nos termos do que restou decidido no Tema 84 do Recurso Repetitivo do Superior Tribunal de Justiça, e recomenda-se que não sejam fixadas multas pessoais a gestores ou que, na hipótese de serem estabelecidas, que guardem proporcionalidade, nos termos dos Enunciados nºs 74 e 86 do FONAJUS.

Art. 11. Na hipótese do artigo 10, o juízo deverá diligenciar para que a compra seja realizada por outro ente público, pelo estabelecimento de saúde que realiza o tratamento da parte autora ou pelo fornecedor de produto ou serviço.

§ 1º A entrega da verba será feita a quem cumprir a obrigação em substituição à Fazenda Pública, preferencialmente após a comprovação da realização do ato mediante documento fiscal e, se continuado, com liberação gradual do montante, conforme estabelecido nos Enunciados nºs 54 e 82 do FONAJUS.

§ 2º No caso de negativa da venda pelo Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) ou aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, deverá o julgador avaliar a aplicação das medidas processuais cabíveis para a sua efetividade, inclusive contra terceiros, sem prejuízo da comunicação da instância competente para apuração de irregularidades.

Art. 12. A compra direta pela parte autora é excepcional e deve ser devidamente justificada.

Art. 13. A dispensação judicial exigirá prestação de contas.

§ 1º O ente público, particular, instituição de saúde ou a parte autora que receber recursos por decisão judicial deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar prestação de contas ao juízo, que verificará, dentre outras questões específicas do caso, o atendimento das condições de preço estabelecidas e as descrições de posologia constantes da decisão.

§ 2º A prestação de contas dar-se-à mediante apresentação de documentos que atestem a devida utilização do recurso público para aquisição do medicamento ou tratamento judicializado, tais como:

I – Nota fiscal preferencialmente em nome do ente público, ou, quando se tratar de compra internacional, documento equivalente. Na impossibilidade da emissão de nota fiscal, apresentar recibo com a dedução do imposto de renda;

II – Comprovante de dispensação dos respectivos sistemas do SUS, quando a dispensação se der por ente público;

III – Prontuário de atendimento, no caso de tratamento de saúde de caráter continuado ou não. E quando se tratar de procedimento, o relatório discriminado de todo o atendimento prestado com os valores correspondentes para efeito de prestação de contas.

§ 3º A ausência da prestação de contas pela parte autora, no prazo determinado, acarretará a suspensão do fornecimento do medicamento ou tratamento pelo ente demandado e a obrigação de devolver os valores corrigidos monetariamente.

Art. 14. O juízo determinará que a parte autora apresente, periodicamente, prescrição, exames e relatórios médicos para fins de monitoramento dos resultados do tratamento judicializado.

Art. 15. Quando o processo judicial envolver tecnologia em saúde não incorporada caberá ao ente público, sempre que possível, a respectiva inclusão da parte autora na rede do SUS, a fim de verificar possíveis alternativas de tratamento e facilitar o fluxo de cumprimento da decisão.

Parágrafo único. Quando o objeto do processo judicial for medicamento incorporado, ainda que fora dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) ou off label, recomenda-se a inclusão do paciente no cadastro para recebimento, na condição sub judice, pela via administrativa, atribuindo-se a responsabilidade pelo cumprimento ao ente originalmente competente, de acordo com as normativas.

Art. 16. Configura abandono de tratamento a não retirada injustificada do medicamento e outros produtos por mais de três meses consecutivos, facultando-se ao demandado a suspensão das respectivas aquisições, devendo, ainda, informar ao juízo o respectivo abandono, a fim de avaliar a possibilidade de suspensão ou extinção do processo judicial, sem prejuízo da determinação de reparação ao ente público.

Art. 17. O ente federado que tenha custeado o medicamento, insumo, produto ou serviço poderá pleitear o ressarcimento nos próprios autos em desfavor do ente responsável, desde que ambos tenham figurado no polo passivo do processo de conhecimento.

Art. 18. Após a superveniente incorporação de medicamento ou tratamento judicializado à rede pública de assistência à saúde, deverão ser observados pela parte autora os protocolos do SUS, sob pena de o juízo poder decretar a extinção do processo pela perda do interesse de agir.

§ 1º Com a notícia da incorporação do tratamento ou medicamento ao SUS, recomenda-se ao(à) magistrado(a) ou desembargador(a) intimar a parte autora e os demandados para buscar o atendimento na via administrativa.

§ 2º Caberá à parte autora apresentar os documentos necessários para a migração para a rede de saúde pública.

Art. 19. O Conselho Nacional de Justiça, o Conselho da Justiça Federal, o Ministério da Saúde e a Advocacia-Geral da União, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação desta Recomendação, com o apoio do Comitê Executivo do FONAJUS, elaborarão conjuntamente um fluxo de cumprimento de ordens judiciais nas demandas envolvendo direito à saúde pública propostas contra a União, observando esta Recomendação, bem como o manual destinado aos(às) magistrados(as) e desembargadores(as) e à rede de saúde pública.

§ 1º Os Comitês estaduais e distrital de Saúde do FONAJUS, igualmente no prazo de 180 dias a contar da publicação desta Recomendação, também elaborarão e publicarão seus respectivos fluxos e manuais de cumprimento de ordens judiciais nas demandas envolvendo direito à saúde pública, que deverão observar o disposto nesta Recomendação e as peculiaridades estaduais e locais.

§ 2º No manual de cumprimento das decisões judiciais deverão constar informações detalhadas e dados técnicos voltados à orientação dos(as) magistrados(as) e desembargadores(as) quanto à implementação do disposto nesta Recomendação, em especial sobre os procedimentos recomendados para a consulta de atas de preços, prestação de contas, sequestro de valores, dentre outras.

Art. 20. Esta Recomendação entrará em vigor na data de sua publicação.

 

 

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO




[1] https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=a6dfbee4-bcad-4861-98ea-4b5183e29247&sheet=87ff247a-22e0-4a66-ae83-24fa5d92175a&opt=ctxmenu,currsel

[2] Art. 3º Integram o Grupo de Trabalho: I – Richard Pae Kim, Conselheiro do CNJ, que o coordenará; II – Clênio Schulze, Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e membro do Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (FONAJUS); III – Eduardo Perez de Oliveira, Juiz Estadual e Coordenador do Comitê Estadual de Saúde do Estado Goiás; IV – Luciana da Veiga Oliveira, Juíza Federal e Coordenadora do Comitê Estadual de Saúde do Estado do Paraná; V – Daniel Marchionatti Barbosa, Juiz Federal e Secretário-Geral do Conselho da Justiça Federal; VI – Gustavo Bicalho Ferreira da Silva, Diretor-Executivo de Planejamento e de Orçamento do Conselho da Justiça Federal; VII – Marcelo Barros Marques, Secretário de Planejamento, Orçamento e Finanças do Conselho da Justiça Federal; VIII – João Bosco Teixeira, Consultor Jurídico Adjunto do Ministério da Saúde (CONJUR/MS); IX – Aline Escorsi de Andrade, Coordenadora-Geral de Assuntos Judiciais da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde (CONJUR/MS); X – Wandemberg Venceslau Rosendo dos Santos, Diretor do Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde; XI – Natália Aurélio Vieira, Coordenadora-Geral de informações de saúde para demandas judiciais do Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde; XII – Dayanne Kelly Leite de Azevedo, Assessora técnica especializada do Fundo Nacional de Saúde (FNS); XIII – Márcio Bruno Rios Diniz, assessor do Gabinete Vaga Juiz Estadual no Conselho Nacional de Justiça; XIV – Luiza Hood Wanderley, Advogada da União e Coordenadora-Geral de Assuntos Judiciais Substituta (CGAJUR/CONJUR-MS); XV - Cláudio Henrique Costa Diniz, Coordenador-Geral de Demandas de Órgãos Externos em Ciência e Tecnologia em Saúde, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (CGOEX/SECTICS/MS); XVI - Janaína Pontes Cerqueira, Diretora do Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização à Saúde, da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (DJUD/SE/MS)