EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TJTO. INSURGÊNCIA QUANTO ÀS RETIFICAÇÕES DE ITENS DO EDITAL QUE ALTERAVAM A ORDEM DE NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS PCDS. MATÉRIA PREVIAMENTE JUDICILIZADA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE CONCOMITANTE NA VIA JUDICIAL E ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 16 DO CNJ. MATÉRIA RECURSAL DE CUNHO EMINENTEMENTE INDIVIDUAL E ESTRANHA À COMPETÊNCIA DO CNJ. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 17 DO CNJ. RECURSO ADMINISTRATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A judicialização anterior da causa na qual se discutem atos administrativos praticados pelos tribunais, pendente de apreciação ou julgamento de mérito, impede o exame da mesma matéria por este Conselho Nacional de Justiça (Enunciado Administrativo CNJ n. 16/2014). 

2. Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, identificado apenas quando a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria (Enunciado Administrativo CNJ n. 17/2018).

3. Pretensão de reverter retificações do edital do concurso público com intuito de favorecer o recorrente não ultrapassa a esfera de interesse individual do candidato a cargo público no Poder Judiciário.

4. Recurso a que se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 16 de junho de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002657-36.2023.2.00.0000
Requerente: FELIPE DA SILVA GUARANA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS - TJTO

 

 

RELATÓRIO

 

FELIPE DA SILVA GUARANÁ interpôs recurso administrativo contra a decisão monocrática que não conheceu dos pedidos formulados e determinou o arquivamento deste PCA.

Em suas razões, alega que a existência de decisões conflitantes entre as esferas administrativa e judicial não colocaria em risco a segurança jurídica, haja vista “a peculiaridade do PCA, que discute princípios, interpretação e execução de normas afetas aos direitos das Pessoas com Deficiência”.

Aduz que “prevalecerá o que for mais benéfico ao grupo vulnerável constitucionalmente protegido. Conforme determinação do Supremo Tribunal Federal, sempre deverá prevalecer a norma mais favorável para este grupo vulnerável. Nesta toada, em havendo decisões conflitantes, este critério deverá prevalecer, fazendo valer a decisão mais favorável. Desta forma, como neste caso específico já existe a regra de solução para possíveis conflitos entre a seara administrativa e a judicial, não há que se falar em insegurança jurídica.” (Id 5150433).

Sustenta o afastamento do Enunciado CNJ n. 16/2014 ao argumento de que a ação civil pública e o presente procedimento de controle administrativo não caracterizam ações idênticas, conforme os requisitos disciplinados no art. 337, § 2º do Código de Processo Civil, dado que o “PCA é um pleito individual, com pedidos diferentes, mais amplo e mais favorável. Este PCA é fundamentado com argumentos diversos dos que norteiam a ACP; (...) Nesta ACP a Defensoria Pública centra sua argumentação na extemporaneidade da 6ª retificação e requer a manutenção da ordem de convocação dos candidatos com deficiência conforme a redação original do subitem 6.1.4, único objeto daquela lide, e que fora excluído naquele ato. Já o pedido principal do presente PCA é no sentido de se aplicar o fator de arredondamento, subitem 6.1.3, sobre o percentual de reserva de 10%, subitem 6.1.1, resultando em diferente e mais favorável ordem de nomeação das PCDs do que a contida no subitem 6.1.4” (Id 5150433).

Defende a inafastabilidade da jurisdição do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que “as ações coletivas não têm o condão de impedir que cidadãos, individualmente, tenham seu pleito apreciado pelo Judiciário em defesa de seus direitos. E o fato de haver uma ação coletiva no âmbito judicial não pode impedir que os cidadãos, individualmente, optem pela via administrativa para a apreciação de seu pleito. No caso concreto, a decisão atacada faz com que um indivíduo, cidadão do Estado do Rio de Janeiro, não tenha o seu pedido inédito apreciado pelo Conselho Nacional de Justiça. E tal afastamento de jurisdição seria com base na existência de uma ação coletiva, proposta pela Defensoria Pública do Estado de Tocantins, contra o Estado de Tocantins.” (Id 5150433).

Em relação ao pedido liminar, elucida que “o pedido liminar do presente PCA, que ao contrário do requerimento da ACP NÃO equivale ao pedido principal, além de ser diferente, se baseia também em outros argumentos. Neste PCA o requerente utiliza a redação do subitem no pedido liminar por esta coincidir com a incidência do arredondamento previsto originalmente em outro subitem sobre a percentagem de reserva INCONTROVERSA presente no edital. Percentagem esta que também é objeto de julgamento do PCA e que NÃO é discutida na ACP” (Id 5150433).

Ao final, requer a reforma da decisão atacada para que os pedidos do PCA sejam apreciados e o feito tenha prosseguimento com fundamento “no princípio da inafastabilidade de jurisdição, em respeito à aplicação prática dos Direitos Humanos, à norma mais benéfica em favor das Pessoas com Deficiência e à razoabilidade”.

É o relatório, passo ao voto. 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002657-36.2023.2.00.0000
Requerente: FELIPE DA SILVA GUARANA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS - TJTO

 

 

 

VOTO

 

Conheço do recurso, porquanto tempestivo, nos termos do art. 115 do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça.

A decisão recorrida (Id 5125115) foi proferida nos seguintes termos:

(…)

É o breve relatório. DECIDO.

O presente procedimento não reúne condições de prosperar.

Nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, compete ao Conselho Nacional de Justiça o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

Com efeito, a competência fixada para o CNJ é restrita ao âmbito administrativo de atuação do Poder Judiciário, não podendo ocorrer intervenção em decisão judicial ou atuação processual para corrigir eventual vício de natureza processual.

No presente caso, a pretensão deduzida pelo requerente, como ele próprio informa em sua inicial, também está sendo objeto de apreciação nos autos da Ação Civil Pública sob nº 0040505-98.2022.8.27.2729, ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins, por intermédio do Núcleo Aplicado das Minorias e Ações Coletivas- NUAmac/Palmas, cujo escopo é “compelir o Estado do Tocantins e a Fundação Getúlio Vargas, instituição organizadora do certame do TJTO, a garantir que a regra de nomeação que beneficia às pessoas com deficiência, constante no item 6.1.4 do edital nº 01/2022, seja devidamente assegurada, haja vista que foi excluída em edital posterior (edital nº 001/200 6º retificação), sem qualquer explicação idônea, violando premissas básicas do concurso público”.

Cópia dos autos judiciais colacionada pelo terceiro interessado no Id 5114858.

Com efeito, dada a matéria em discussão ter sido objeto de prévia judicialização, o exame por este CNJ se encontra prejudicado, haja vista a natureza exclusivamente administrativa das competências de controle de atuação do Poder Judiciário.

Permitir a concomitância das vias administrativa e judicial poderia colocar em risco a segurança jurídica dos pronunciamentos judiciais, ensejando decisões conflitantes, razão por que editado o Enunciado CNJ n. 16/2014, nos seguintes termos:

Enunciado nº 16. A judicialização anterior da causa na qual se discutem atos administrativos praticados pelos tribunais, pendente de apreciação ou julgamento de mérito, impede o exame da mesma matéria por este Conselho Nacional de Justiça.

São reiterados os julgados do CNJ nessa linha de entendimento:

REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. MATÉRIA JUDICIALIZADA EM DATA ANTERIOR AO EXPEDIENTE APRESENTADO NESTE CNJ, POR MEIO DE HABEAS CORPUS - HC. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE CONCOMITANTE NA VIA JUDICIAL E ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 16 DO CNJ. RECURSO ADMINISTRATIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A jurisprudência deste Conselho está assentada no sentido de que a judicialização prévia impede o conhecimento da matéria pelo CNJ, entendimento este que já foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal. (Enunciado Administrativo n. 16 do CNJ/ MS n. 28174/2020 do STF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski).

2. A concomitância da via administrativa e judicial não deve ocorrer, porque poderia colocar em risco a segurança jurídica dos pronunciamentos judiciais, ou ensejar decisões conflitantes.

3. Recurso administrativo ao qual se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em REP - Representação por Excesso de Prazo - 0002320-81.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 109ª Sessão Virtual - julgado em 12/08/2022).

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCESSO JUDICIAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE PRAZO PROCESSUAL. INDEFERIMENTO. MATÉRIA JURISDICIONAL. RESOLUÇÃO CNJ 314/2020. ALEGADA VIOLAÇÃO. QUESTÃO JUDICIALIZADA. CONTROLE ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Recurso administrativo interposto contra decisão que não conheceu de pedido de controle de decisão que indeferiu o pedido formulado em ação judicial para suspensão de prazo processual.

2. Ainda que o parâmetro de controle seja a Resolução CNJ 314/2020, o inconformismo do requerente foi direcionado a um ato praticado pelo magistrado no exercício da atividade judicante. Tal circunstância não atrai a competência deste Conselho para exame da questão suscitada na inicial.

3. A prévia submissão da matéria às vias judiciais é fator impeditivo à análise do pedido formulado nos autos haja vista a necessidade de impedir conflitos entre a seara judicial e administrativa. Ademais, o CNJ não pode se convolar em via subsidiária para ser utilizada em caso decisões judiciais desfavoráveis

4. Recurso improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000470-89.2022.2.00.0000 - Rel. JANE GRANZOTO - 68ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 12/09/2022).

Em reforço, seguem reiterados julgados do e. Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PRÉVIA JUDICIALIZAÇÃO DA MATÉRIA. MANDADO DE SEGURANÇA A QUE SE NEGOU PROVIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.

I – Não cometeu qualquer ilegalidade o CNJ ao de apreciar a questão que lhe foi submetida, uma vez que a matéria já estava sob o crivo da jurisdição.

II - O CNJ seja órgão do Poder Judiciário, possui tão somente atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido decidir de forma contrária ao estabelecido em processo jurisdicional.

III – Agravo improvido.

(STF. MS 28174 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 14/10/2010, DJe-221 DIVULG 17-11-2010 PUBLIC 18-11-2010 EMENT VOL-02433-01 PP-00001).

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CONTROLE ADMINISTRATIVO – MATÉRIA JURISDICIONAL – INVIABILIDADE.

Descabe o controle, pelo Conselho Nacional de Justiça, cujas atribuições são exclusivamente administrativas, de controvérsia submetida à apreciação do Poder Judiciário.

(STF. MS 28845, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/11/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-283 DIVULG 07-12-2017 PUBLIC 11-12-2017).

Por todo o exposto, NÃO CONHEÇO dos pedidos formulados, determinando o ARQUIVAMENTO do presente procedimento por decisão monocrática, nos termos do inciso X do art. 25 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça. LIMINAR PREJUDICADA.

Intimem-se as partes. Cópia desta decisão servirá como ofício.

Após, remetam-se os autos ao arquivo independentemente de nova conclusão.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

Conselheiro Marcello Terto

Relator

Os argumentos recursais não são capazes de infirmar as conclusões da decisão monocrática recorrida.

Não prevalece a alegação do recorrente a favor da separação das instâncias administrativa e judicial, dado que a aplicação de um critério de preponderância entre eventuais decisões conflitantes não é capaz de alterar a competência constitucionalmente fixada para o CNJ.

Nesse sentido, reitera-se que o art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, estabelece que compete ao Conselho Nacional de Justiça o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

Como também assentado na decisão atacada, o Enunciado CNJ n. 16/2014 reforça a restrição da competência do CNJ em relação a matérias que foram previamente judicializadas, tendo em vista o risco à segurança jurídica dos pronunciamentos judiciais, de forma que o exame do presente PCA se encontra prejudicado.

Quanto ao argumento acerca da distinção entre os pedidos formulados na ação civil pública indicada na decisão monocrática e aqueles constantes do presente procedimento de controle administrativo, o próprio recorrente sustenta que no presente PCA apresenta pleito individual para que sejam julgadas ilegais as 6ª e 7ª retificações do Edital nº 1/2022 deflagrado Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins – TJGO, sendo aplicado o fator de arredondamento, previsto no subitem 6.1.3, sobre o percentual de reserva de 10%, subitem 6.1.1. Assim, a ordem de nomeação das PCDs seria alterada de forma a favorecer o recorrente, que relata ser pessoa com deficiência.  

Desse modo, nos termos apresentados nas razões recursais, verifica-se que a pretensão do requerente objetiva tutelar direito eminentemente individual, sem repercussão geral para o Poder Judiciário.

Com efeito, a competência do CNJ para controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário está adstrita às hipóteses em que verificado interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria. 

Assim, a atuação do CNJ não se coaduna com o julgamento de questões de natureza meramente individuais. Tanto assim que o art. 25, X, do Regimento Interno do CNJ impõe o arquivamento liminar do processo quando a matéria estiver destituída de interesse geral.  

A reforçar tal entendimento, os diversos precedentes consolidados no âmbito desta Corte Administrativa deram origem ao Enunciado Administrativo CNJ nº 17/2018 (de 10/09/2018), nos seguintes termos:

Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria. 

Registre-se que a exigência de repercussão geral, na hipótese, não representa qualquer tipo de negativa de jurisdição e, consequentemente, risco de eventual perpetuação das alegadas ilegalidades, pois a Constituição Federal e as leis processuais asseguram à parte os meios adequados para garantia de seus direitos na via judicial, reforçando o entendimento de que a competência do CNJ está restrita aos casos em que configurada a repercussão para todo o sistema de justiça.

 

DISPOSITIVO

 

Por tais fundamentos, conheço do presente recurso, porquanto tempestivo, e no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a decisão monocrática recorrida.

É como voto.