Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

EMENTA: PROCEDIMENTO DE ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO. SISTEMA PROCESSUAL ELETRÔNICO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CONTRATAÇÃO DE TRANSNACIONAL DE TECNOLOGIA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PROCESSO ELETRÔNICO. RESOLUÇÕES CNJ 182/2013, 185/2013 E 211/2015. SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. MANTIDA A SUSPENSÃO DA CONTRATAÇÃO. PROSSEGUIMENTO DE ESTUDO DA MATÉRIA MEDIANTE TRAMITAÇÃO INTERNA, COM OBSERVÂNCIA DE DETERMINAÇÕES DO CNJ. 

1. Procedimento de Acompanhamento de Cumprimento de Decisão em que se analisa contratação, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de transnacional de tecnologia para desenvolvimento de sistema de processo judicial eletrônico diverso do PJe. 

2. A competência do CNJ não se limita ao controle interno do Poder Judiciário; alcança também a relevante função de formular e supervisionar políticas de âmbito nacional, inclusive no que se refere à tecnologia da informação, que deve ocorrer sem negligenciar princípios e garantias constitucionais, assim como reclama indispensáveis preocupações com a segurança de dados. 

3. Desde a edição da Resolução CNJ 185/2013, que instituiu o PJe, busca-se concretamente um sistema nacional, independentemente das esferas, sem desprezar, entretanto, peculiaridades locais que justifiquem sistemas próprios, notadamente quando já em avançado estágio de desenvolvimento e funcionamento. 

4. Todavia, tal relativização não se reveste de natureza discricionária a ensejar liberdade irrestrita aos órgãos submetidos ao controle do CNJ, para contratação de soluções tecnológicas desvinculadas da política nacional.

5. Relativização dessa política nacional que não passe pelo Plenário do CNJ viola preceito expresso da aludida Resolução (art. 45). Só há de ser feita depois de pleiteado pelo Tribunal e justificada pelas circunstâncias ou especificidades locais, o que não havia ocorrido na hipótese dos autos, já que não houvera pedido de relativização e o próprio Conselho só tomou conhecimento da contratação por meio de notícia veiculada no sítio eletrônico do Tribunal.

6. Não tendo a Tribunal submetido a licitação/contratação ao crivo de seus comitês internos, há de reconhecer-se ter havido inobservância da Resolução CNJ 211/2015, que prima pela participação e verificação das instâncias e atores internos no estabelecimento de estratégicas que se alinhem com a realidade local, especialmente no que diz respeito aos recursos humanos, administrativos e financeiros.

7. Não se mostra possível, portanto, tratar de relativização sem prévia e aprofundada análise de informações a ser apresentadas pela Corte à luz dos esclarecimentos a serem fornecidos pela TI do CNJ e do exame dos comitês internos.

8. Em relação ao contrato firmado pelo Tribunal Paulista, tem-se que a Lei 10.973/2004 (Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica – LIIT) possibilita um regime de contratação diferenciado, mas isso não quer dizer que franqueie toda e qualquer licitação/contratação realizada à margem da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações). Não obstante, o exame conclusivo da legalidade não será realizado pelo CNJ, e sim pelos órgãos de fiscalização, conforme preceitua a própria Constituição da República (art. 103-B, § 4º, II).

9. Em razão da aparente insuficiência da Resolução CNJ 182/2013, mostra-se oportuna a promoção de estudos destinados à elaboração de ato normativo que discipline contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fundamento na LIIT.

10. Mantida suspensa a contratação, permitindo ao Tribunal dar prosseguimento ao estudo da matéria mediante tramitação interna, com a observância de determinações do CNJ.

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu: I - por unanimidade, incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - por maioria, manter em parte a liminar quanto a vedação de contratação antes de uma decisão final do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, permitindo a continuidade dos estudos técnicos, nos termos do voto do Relator. Vencido o Conselheiro Luciano Frota, que votou pela conversão em julgamento definitivo, proibindo a contratação. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Henrique Ávila. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 9 de abril de 2019. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
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RELATÓRIO  

  

Trata-se de Procedimento de Acompanhamento do Cumprimento da Resolução CNJ 185/2013, que “institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento”. 

Como já procurei demonstrar e dada a natureza do feito, em que se busca a efetivação das determinações constantes da aludida norma e de variados precedentes que reafirmam, ao longo dos últimos anos, a imprescindibilidade de uma política nacional de processos eletrônicos (Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0003555-64.2014.2.00.0000 - Rel. Carlos Eduardo Dias - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004350-36.2015.2.00.0000 - Rel. Emmanoel Campelo - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015), o Conselho Nacional de Justiça tem, desde 2013, instado e solicitado aos Tribunais que enviem informações acerca da implantação do PJe ou de outros sistemas no âmbito daquelas Cortes, para que se possa acompanhar a difusão dos sistemas e a própria concretização dos preceitos normativos. 

Nesse período, foram recolhidos inúmeros dados sobre a composição dos Comitês Gestores, registros dos planos de implementação do referido sistema, assim como apresentadas pretensões de relativização dessa implantação, as quais foram objeto de análise técnica e posterior submissão ao Plenário do CNJ, nos termos da Resolução 185/2013 (art. 45). 

Redistribuído o feito à minha relatoria em 5-7-2018, em razão da Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Infraestrutura do CNJ (Id. 2871616), foram atualizadas as informações provenientes dos Tribunais, assim como impulsionadas as pretensões de relativização no âmbito da mencionada Comissão (Id. 3239135).

Em 20-2-2019, entretanto, o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) divulgou em sua página oficial ter promovido “contratação direta” da transnacional de tecnologia Microsoft, “para o desenvolvimento de nova plataforma de processo eletrônico e infraestrutura de tecnologia”. 

De acordo com o veiculado pela própria Corte, com repercussão em diversos sítios eletrônicos de conteúdo jurídico, “o valor total do contrato é de R$ 1,32 bilhão”, no intuito da “criação de uma estratégia de longo prazo para a completa transformação digital das atividades do Tribunal e inclui o desenvolvimento de novo sistema de tramitação processual. O projeto prevê o uso de nuvem e a adoção de novos softwares”. 

Diante de tal fato, em 21-2-2019, deferi medida cautelar, ad referendum do Plenário, para que a Administração do e. Tribunal Bandeirante se abstivesse de praticar qualquer ato tendente a concretizar ou dar execução à contratação noticiada antes de assim autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça (Id. 3561380).

Uma semana depois, em 28-2-2019, foram juntadas aos autos informações prestadas por aquela Corte acerca da contratação, em que afirmou que não teria havido “descumprimento da Resolução CNJ 185/2013”, tampouco os riscos apontados na medida suspensiva (Id. 3568034).

Na sequência, em 8-3-2019, a Microsoft entendeu de complementar a manifestação do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de “elidir as preocupações relativas à segurança da informação da solução tecnológica oferecida”, sustentando cumprir os requisitos do Marco Civil da Internet, da Lei de Acesso à Informação e da Lei Geral de Proteção de Dados (Id. 3574508).

Submetida ao Plenário do CNJ em 12-3-2019, a liminar foi ratificada à unanimidade e o julgamento convertido em diligência para determinar imediato processamento das informações ofertadas pelo e. Tribunal Paulista pelos setores técnicos competentes do Conselho Nacional de Justiça, com a emissão de parecer (Id. 3579024).

Ato contínuo, sobreveio petição da Softplan Planejamento e Sistemas Ltda., por meio da qual afirmou que as informações prestadas pela e. Corte Bandeirante “não condizem com a realidade fática e merecem retificações, esclarecimento, contextualizações e explicações técnicas” e requereu, assim, seu ingresso no feito como terceira interessada (Id. 3583139).

Em complementação às informações prestadas, o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresentou, em 1º-4-2019, cópia do Contrato 61/2019, celebrado com a Microsoft (Ids. 3594320; 3594326; 3594328 a 3594335; 3594337 a 3594339).

No sábado 6-4-2019 foi juntado parecer técnico do Departamento de Tecnologia da Informação (Id. 3599917).

Os autos me vieram conclusos na data de ontem (8-4-2019), pela manhã.

Também na data de ontem, segunda 8-4-2018 às 21h, o e. Tribunal Paulista colacionou ao feito novas informações, com ponderações já acerca do parecer técnico da TI deste Conselho, voltadas à versão PJe 2.1 e às Resoluções CNJ 182/2013 e 211/2015, assim como noticiou a realização de sessão extraordinária do Órgão Especial (Id. 3602244).

Hoje, às 11h38, a Softplan reiterou o pedido de ingresso no feito na condição de terceira interessada, assim como defendeu que os valores apontados pelo TJSP como ganhos não procedem; que o SAJ 6 é compatível com nuvem e, para isso, não é necessário ônus adicional; e que a e. Corte Bandeirante tem direito ao código fonte, vedada apenas a cessão para terceiros (Id. 3602757).

Tendo estudado a matéria nos últimos dias, considero-me apto a apresentar ao Plenário, colegiado soberano do Conselho Nacional de Justiça, proposta de encaminhamento.

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0000681-09.2014.2.00.0000
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VOTO 

 

Destinam-se os presentes autos ao acompanhamento do cumprimento da Resolução CNJ 185/2013, que institui o Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento.

Dado que o caso – contratação, pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de transnacional de tecnologia para desenvolvimento de sistema de processo judicial eletrônico diverso do PJe – versa sobre questão peculiar e que carece de pronunciamento do Plenário, pois há nos autos apenas liminar que determinou a suspensão de atos tendentes à execução do contrato, dei continuidade à instrução do feito e agora o submeto a este Colegiado, ante a sua indiscutível soberania para deliberação sobre a matéria.

 

I – DA ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

O Poder Constituinte reformador cuidou de atribuir ao Conselho Nacional de Justiça a competência precípua de controle da atuação administrativa e financeira dos Tribunais e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-B).

No entanto, não se limitou a Lei Maior a instituí-lo como órgão interno de controle do Poder Judiciário. Conferiu-lhe também a relevante função de formular e supervisionar políticas de âmbito nacional, cabendo ao CNJ assumir “[...] o dever jurídico de diagnosticar problemas, planejar políticas e formular projetos, com vistas ao aprimoramento da organização judiciária e da prestação jurisdicional em todos os níveis, como exigência da própria feição difusa da estrutura do Poder nas teias do pacto federativo” (ADI 3367, Relator(a):  Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-2006 PP-00004 ement VOL-02225-01 PP-00182 republicação: DJ 22-09-2006 PP-00029). 

Dessa forma, não há dúvida de que a atuação do Conselho se pauta sempre pelos mandamentos constitucionais, “ciosos da importância do CNJ em ambos os planos da composição e do funcionamento; tão logicamente concatenados para fazer do Conselho um órgão de planejamento estratégico do Poder Judiciário, assim no campo orçamentário como no da celeridade, transparência, segurança, democratização e aparelhamento tecnológico da função jurisdicional do Estado” (ADC 12 MC, Relator(a):  Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2006, DJ 01-09-2006) (grifo nosso).

É possível observar, portanto, que, entre as frentes dessa atuação estratégica do CNJ, está – como não poderia deixar ser – a utilização da tecnologia da informação, notadamente no cenário atual, que reclama, em razão da multiplicidade de tecnologias e dos riscos a elas inerentes, a adoção de medidas que conjuguem os avanços tecnológicos com o caráter nacional do Judiciário e com a garantia de uma Justiça eficiente, transparente e responsável.

No quadro, vale destacar que a legislação infraconstitucional também se preocupou em conferir ao órgão funções de relevo sobre o tema, uma vez que o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) outorgou a este Conselho “e, supletivamente, aos tribunais”, a atribuição de disciplinar “a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais” (art. 196).

Assim, com o propósito de cumprir a sua própria função e alinhando-se às diretrizes da Lei 11.419/2006 (Informatização do Processo Judicial), o CNJ editou a Resolução 185/2013, que instituiu o Processo Judicial Eletrônico (PJe) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais do Judiciário.

Desse modo, ao menos desde 2013, busca-se concretamente um sistema nacional, independentemente das esferas, sem desprezar, entretanto, peculiaridades locais que justifiquem sistemas próprios, notadamente quando já em avançado estágio de desenvolvimento e funcionamento. 

Nessa perspectiva, como já ressaltei na decisão liminar, sufragada pelo Plenário deste Conselho, houve diversos casos – recentes inclusive – em que, após regular processamento e manifestação das áreas técnicas do CNJ, foi autorizada pelo Plenário deste Conselho a chamada “relativização” da Resolução CNJ 185/2013 (art. 45), com consequente manutenção de sistema já em uso por Tribunais, mas desde que ocorresse adesão ao “Modelo Nacional de Interoperabilidade” e fosse utilizado o “Módulo Escritório Digital” (Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004352-06.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Cumprdec - Acompanhamento de Cumprimento de Decisão - 0004355-58.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015; Comissão - 0004346-96.2015.2.00.0000 - Rel. Fernando Mattos - 272ª Sessão Ordinária - j. 22/05/2018).

O próprio e. Tribunal Bandeirante, hoje presidido pelo e. Desembargador Manoel Pereira Calças, que todos temos como magistrado sério e dedicado, foi um dos requerentes dessa flexibilização. Nos autos do Cumprdec 0003686-39.2014.2.00.0000 (Rel. Fernando Cesar B. De Mattos - 1ª Sessão Extraordinária Virtual - j. 14/12/2015), o Plenário deste Conselho julgou parcialmente procedente o pedido formulado, para acolher a pretensão de relativização das regras previstas nos arts. 34 e 44 da Resolução CNJ 185/2013, condicionada à adesão ao Modelo Nacional de Interoperabilidade e à integração do módulo Escritório Digital ao seu sistema de processo eletrônico.

Vê-se, pois, que não se veda a possibilidade de relativizações – até porque previstas no art. 45 da própria normativa deste Conselho. Ninguém pode, por hipótese, ultrapassar a autoridade do CNJ na matéria nem pretender que o uso da tecnologia da informação admita negligenciar princípios e garantias constitucionais, mormente os da supremacia do interesse público, da razoável duração do processo, da eficiência com a racionalização dos recursos orçamentários e do acesso à justiça, além das indispensáveis preocupações com a segurança de dados. 

Nesse sentido, a propósito, não se desconhece haver manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a existência de contratações desfavoráveis às organizações públicas, com prejuízos de grande monta, que foram verificadas em auditoria que avaliou práticas comerciais adotadas por grandes fabricantes de tecnologia da informação (v.g Microsoft, IBM, ORACLE, SAP, Red Hat e VM Ware) na relação com o Poder Público, para a contratação de licenciamento de software e seus serviços agregados (acórdão 2.569/2018). 

De acordo com o TCU, diante de “um mercado em que há grande concentração das soluções em poucos fabricantes de software, bem como elevada dependência desses sistemas para o núcleo do próprio negócio das organizações públicas” é elevado o risco de o interesse público ser lesado, com pagamentos indevidos, sobrepreços, superfaturamentos, a pretexto de “desenvolver o serviço público, agregando pouco ou nada para a sociedade”.

Ademais, especificamente em relação ao uso de tecnologias em processos judiciais, encontra-se em trâmite naquela Corte auxiliar o processo 008.903/2018-2, originado pelo acórdão 543/2018 e que tem por escopo “avaliar a implementação e o funcionamento da informatização dos processos judiciais”.

Logo, ao mesmo tempo em que não será o CNJ, a toda evidência, que fará exame conclusivo da legalidade do contrato (pois papel dos órgãos fiscalizatórios), mostra-se imprescindível que o Conselho adote providências destinadas a garantir que as contratações realizadas pelo Poder Judiciário, na área de TI, tenham como propósito o aperfeiçoamento permanente e contínuo de suas soluções tecnológicas, sem olvidar, porém, das cautelas indispensáveis ao cumprimento da função precípua daquele Poder, que é a prestação jurisdicional, com todos os direitos e garantias que lhes são intrínsecas.

 

II – DA SEGURANÇA DAS INFORMAÇÕES

 

No que concerne à segurança das informações, há tanta ou maior preocupação no contexto atual, haja vista a tensão latente entre a garantia de acesso à informação e os direitos à privacidade, à intimidade e à segurança, mormente quando, por exemplo, o acesso à internet é tido como essencial ao próprio exercício da cidadania (art. 7º da Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet).

Não é novidade que se encontram limites na Constituição (art. 5º, X) e no Código Civil (art. 21), que tutelam o direito à vida privada e à intimidade, assim como na Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), que prevê a proteção da informação sigilosa e pessoal (art. 6º, III) e que “o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais” (art. 31).

Todavia, diante do acesso democrático à informação e da disseminação de dados na internet, foi necessário que a matéria recebesse novos contornos legais, levados a efeito na Lei do Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet, e na recente Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (art. 1º).

Conforme se observa, a novel Lei 13.709/2018 traz ainda tratamento especial aos denominados “dados sensíveis” –  que são aqueles relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (art. 5º, II) – porquanto guardam informações com risco considerável à privacidade.

Nos termos da aludida norma, esses dados sensíveis não são de compartilhamento irrestrito, podendo apenas ocorrer, sem o consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para “tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos” (art. 11, II, b). 

Outra cautela da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi estabelecer que o tratamento de dados pessoais deve ter uma finalidade pública e ser guiado pelo interesse público:

 

Art. 23.  O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:

I - sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos;

[...]

III - seja indicado um encarregado quando realizarem operações de tratamento de dados pessoais, nos termos do art. 39 desta Lei.

 

No mesmo sentido caminhou a jurisprudência, com o objetivo de preservar a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, assim como o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação, sem descurar, porém, de resguardar a privacidade e a intimidade necessários ao Estado Democrático de Direito (STF, ARE 660861 RG, Relator(a): Min. Luiz Fux, julgado em 22/03/2012, processo eletrônico DJe-219 divulg 06-11-2012 public 07-11-2012; STJ, REsp 1660168/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2018, DJe 05/06/2018).

As mesmas preocupações embalaram “órgãos da administração pública federal”, à frente o Banco Central e sua recentíssima Resolução 4.658/2018, que “dispõe sobre a política de segurança cibernética e sobre os requisitos para a contratação de serviços de processamento e armazenamento de dados e de computação em nuvem a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar”.

Até mesmo no âmbito deste Conselho, o cuidado com o tratamento e proteção de dados pelo Poder Público, constantes do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, já serviu como parâmetro para a edição de ato normativo – Resolução 269/2018 – que institui regras sobre a gerência de dados pessoais de candidatos a cargos públicos (Pedido de Providências - 0004068-95.2015.2.00.0000 - Rel. Valtércio de Oliveira - 37ª Sessão Virtual - j. 19/10/2018).

Também em razão dos ciclos temporais cada vez mais breves para que novidades na área de tecnologia da informação se tornem obsoletas, faz-se indispensável a permanente atenção com essas inovações.

Por exemplo: o serviço de cloud computing – computação em nuvem – encontra importante subsídio em recente acórdão proferido pelo Plenário do TCU, quando da análise de relatório de levantamento de auditoria levada a cabo por setores técnicos daquela instituição (acórdão 1739/2015).

Com efeito, consta do minucioso e profundo estudo que a contratação de computação em nuvem, “especificamente quanto à administração pública”, apresenta diversos benefícios, assim consignados no acórdão:

 

[...] 275. Foram identificados diversos benefícios do uso de computação em nuvem (seção 2.5), como: redução de custos de infraestrutura e serviços TI devido a ganhos de escala; otimização da produtividade da equipe de TI, melhorando o suporte de operações de missão crítica; maior disponibilidade dos serviços de TI e consequente melhor produtividade do usuário final; resistência a ataques contra a disponibilidade dos serviços; redução do tempo para implementação de novos serviços e ciclo mais rápido de inovação.

276. No âmbito da Administração Pública Federal (APF), foram levantados, ainda, benefícios adicionais da adoção de computação em nuvem (seção 2.5.1), como: maior agilidade na entrega e na atualização tecnológica de serviços públicos; atendimento de demanda sazonal de serviços públicos pela Internet sem necessidade de alocar grande quantidade de recursos de TI fixos, que ficam subutilizados em momentos de pouco uso; ampliação do acesso e do uso de informações governamentais; e suporte mais ágil a iniciativas de Big Data e Dados Abertos.

 

Não se desconhece, por outro lado, que o Tribunal de Contas também apontou preocupações com a inovação tecnológica em análise, especificamente quanto à segurança e sigilo das informações. Há no acórdão verdadeiro roteiro a ser observado pela Administração Pública ao cogitar a contratação desse tipo de tecnologia:

 

[...] 279. A computação em nuvem, apesar de introduzir certos riscos, como os derivados da terceirização e do compartilhamento de recursos, mitiga uma série de outros tão comuns à tecnologia da informação, como a falta de capacidade de expansão e a demora na implantação de ambientes ou sistemas. Há vários riscos relativos à segurança da informação que necessitam ser observados pelo gestor, mas há de se considerar também que as defesas baseadas em nuvem muitas vezes são mais robustas, escaláveis, eficientes e baratas se comparadas às soluções internas, em razão da especialização e do ganho de escala.

280. Um trabalho de levantamento e análise de riscos deve ser executado para subsidiar a decisão de migrar para a nuvem e moldar previamente o processo de contratação. A análise de riscos do uso de serviços de computação em nuvem deve entender a importância, sensibilidade e valor para a organização da informação que será processada e armazenada. De todo modo, pode-se iniciar com aplicações públicas e não críticas, com baixo risco de segurança da informação (grifo nosso).

 

Portanto, é certo que tais preocupações não podem deixar de ser observadas por todos os órgãos do Poder Judiciário, notadamente quando se está diante de guarda e acesso a dados judiciais.

 

III – DO MÉRITO PROPRIAMENTE DITO

 

Assentadas tais premissas, ressurge o caso ora sob exame – contratação avançada pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – que traz a este Conselho momento de reafirmar sua inafastável centralidade na formulação de políticas nacionais de TI e de refletir acerca da necessidade de “disciplinamento das contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fulcro na conhecida Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica” (Id. 3599917).

 

3.1 –  Da forma de contratação

Segundo informado pelo e. Tribunal Paulista, a contratação ora questionada foi resultado do “esgotamento tecnológico do atual sistema de tramitação de processos judiciais – o SAJ-JUD”, que “não é compatível com a plataforma de nuvem nos modelos IaaS, PaaS e SaaS” e “não é estável, sendo alvo constante de travamentos e indisponibilidades”, tendo ficado “58 (cinquenta e oito) horas indisponível”.

Apontou que entre os aspectos negativos de se adotar o SAJ 6 (evolução do sistema) estariam: a) “não ser totalmente nativo de nuvem”; b) “ausência de comprometimento quanto a prazos e entregas” por parte da empresa; c) “necessidade de prosseguimento de investimentos pelo TJSP em seu Data Center/redundância (backup), estimados em R$ 975 milhões”; d) “a linguagem ainda mantém Delphi”; e) “o custo total anual para manutenção do atual sistema judicial do TJSP é de cerca R$ 243 milhões”, enquanto “a solução apresentada pela Microsoft, ao término do contrato, custará o valor total atual de R$ 148 milhões”; f) “ausência de apresentação de proposta para solução de problemas de baixas de correção no ambiente do SAJ 6”; g) “histórico de promessas não cumpridas pela empresa quanto às entregas”; h) “os pilotos com 1º módulo do SAJ 6 não foram conduzidos em nuvem”; i) “o TJSP não deterá o Código-Fonte do prometido SAJ 6”.

Aduziu que “a opção estratégica pela construção de nova Plataforma de Justiça Digital em nuvem teve como intuito permitir constante e regular incorporação de novas tecnologias sem custo adicional”, a exemplo da inteligência artificial, assim como de “diversos serviços SAAS que podem revolucionar não apenas a qualidade da tramitação do processo judicial em si como, sobretudo, a forma de interação do Poder Judiciário com os jurisdicionados”.

Relatou, outrossim, que: a) “o período necessário para o desenvolvimento da plataforma é de 5 anos”; b) “a coexistência com o sistema atual perdurará por 3 anos”; c) “o TJSP conseguiu negociar condições financeiras excelentes, por meio de uma solução única frente ao modelo de negócio adotado pela Microsoft”, sendo o valor total do contrato composto por “serviços de desenvolvimento e suporte” – “R$ 780.929.260,30” e “Licenças: R$ 549.374.500,40”; d) “para assegurar a potencialização da inovação pretendida, não apenas no tocante aos fluxos de trabalho, mas, sobretudo, pelo aprimoramento dos serviços de prestação de jurisdição pela incorporação de novas tecnologias, contratou-se o Programa do Centro de Inovação e Transformação Digital”; e) “após os 5 anos do contrato em análise , o TJSP terá uma economia de cerca de 40% com o custo de manutenção de seu sistema de tramitação de processos judiciais”; f)“estima-se que a economia do TJSP, em 10 anos, será próxima a R$ 1 bilhão”; g) “passará a ser coproprietário de produto inovador”; h) “o contrato em foco beneficiará a todos, abrindo possibilidades de reprodução e de parcerias, inclusive com o CNJ, para o compartilhamento de experiências e de Know-how”.

No que tange  à contratação de nuvem, explicou que: a) possibilita “aumentar ou diminuir o volume de armazenamento de dados”; b) proporciona maior segurança no armazenamento desses dados e de acessos; c) “a nuvem pública da Microsoft, a Azure, atende a padrões de segurança de dados”; d) houve previsão expressa de que “a Microsoft deverá guardar sigilo dos dados em posse do TJSP, oportunizando-se o armazenamento no Brasil”, obedecendo a legislação pátria; e) “a Microsoft aderiu a inúmeras certificações internacionais de segurança da informação e privacidade”; f) sobre a espionagem de governos, a Microsoft obrigou-se: “não autorizar qualquer governo a acessar, livre e diretamente, os dados do TJSP”, “não cooperar com qualquer governo no sentido de violar seus elementos de criptografia, nem mesmo a fornecer chaves de criptografias a governos”, “não inclui ‘backdoors’ em seus produtos e adota medidas para garantir que os governos possam verificar tal fato de maneira independente”; g) os dados enviados à nuvem Azure “serão todos criptografados e não serão acessíveis à Microsoft, exceto se houver expressa autorização do tribunal para funcionário específico, com senha expirável em curto prazo e totalmente auditável”; h) outros órgãos públicos tem dados armazenados em nuvem, a exemplo do STJ, AGU, MPSP, Ministérios da Economia e da Justiça, TCU e Banco Central; i) “não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, lei impedindo o armazenamento de dados públicos em nuvens, nem, tampouco exigindo sua manutenção em território brasileiro”; j) “eventuais restrições ao uso de nuvem pública por órgão público, ou a manutenção de dados em territórios brasileiros, insertas em decretos federais, possuem eficácia que se circunscreve, apenas, aos órgãos da administração pública federal, sendo que o TJSP não integra o Poder Executivo Federal ou Estadual”.

Alegou, ainda, que “consultou empresas de referência no mercado global em nuvem (AWS, Google e Microsoft)”, mas que, “após confirmação de que seria vedada a subcontratação e que não se remuneraria a fase de levantamento de requisitos, apenas a Microsoft assinou o Acordo de Cooperação”, situação que “aliada à singularidade do objeto, por si só já autorizaria a contratação direta, com base na Lei de Licitações (Lei 8.666/93)”. No entanto, registrou que “o fundamento da contratação em questão encontra-se no fato de que o seu objeto envolve encomenda tecnológica, de modo que o legislador, diante do risco tecnológico, expressamente autorizou a contratação direta de empresa, a critério do órgão público contratante, nos termos da Lei 10.973/2004”.

Por seu turno e ao comando do Plenário (Medida Liminar em Cumprdec - 0000681-09.2014.2.00.0000 - Rel. Márcio Schiefler Fontes - 286ª Sessão Ordinária - j. 12/03/2019), a área técnica correspondente do CNJ fez aportar parecer subscrito pelo Diretor de Departamento de Tecnologia da Informação (Id. 3599917):


O dispositivo legal escolhido pelo TJSP é, ainda, de pouca utilização no país, sendo poucos os casos existentes a permitir uma análise comparativa, mesmo porque tanto o objeto quanto o valor talvez façam com que a contratação realizada pelo Tribunal paulista se transforme em caso único, cujo sucesso poderá ditar o sucesso do próprio marco regulatório brasileiro de incentivo à inovação tecnológica, daí a necessidade de se acercar de maiores garantias.

 

A LIIT veio ao mundo jurídico com o propósito de dar maior segurança jurídica aos gestores públicos no momento da contratação de projetos de inovação tecnológica, pois, como é de sua natureza, referidos projetos estão envoltos em cenário de maior incerteza pelos riscos inerentes à inovação, ou seja, o objeto pode não ser alcançado. Tais riscos são absolutamente inaceitáveis nos formatos tradicionais de contratação de serviços públicos.

 

Ao comentar sobre projetos de inovação tecnológica na Administração Pública, o atual Diretor-Geral do Supremo Tribunal Federal, Eduardo S. Toledo, descreveu 6 elementos que considerou necessários de serem avaliados pelo gestor no momento de escolher um projeto de inovação tecnológica: definição adequada do objeto; aceitação do projeto pelos decision makers (governança); tempo de execução do projeto; formato de contratação; transcendência dos benefícios (potencialização dos resultados); e absorção da tecnologia pela Administração Pública.

 

A respeito do formato de contratação, assim escreveu:

 

neste ponto, está concentrada boa parte do risco dos projetos de inovação. A Lei n. 8.666/1993 não foi feita para projetos de inovação. Ela é absolutamente inadequada para isso. Como licitar um projeto de inovação? Pelo menor preço? Como estabelecer critérios objetivos para seleção das melhores propostas? Qual a garantia de que um projeto de IA será entregue segundo os termos do edital? A Lei 10.973/2004 (Lei de Incentivo à Inovação e à Pesquisa) foi uma tentativa de criar um ambiente mais propício para a inovação, mas a pouca experiência com a sua aplicação tem mantido o nível elevado de aversão ao risco. O Decreto Presidencial n. 9.283/2018, que regulamentou essa lei, detalhou mecanismos inovadores para a contratação de inovação tecnológica pelo Estado. Embora seja um importante instrumento, não se tem notícia de contratações federais utilizando tal instrumento, não afastando, ainda o risco da contratação. Há, porém, um importante desafio à inovação na Administração Pública, que é dar início à operacionalização dessa legislação”.

 

À vista de tais ponderações, registrou que:


[...] a chamada encomenda tecnológica (modalidade adotada pelo TJSP) estaria, possivelmente, assim disposta no Decreto 9.283/2018, regulamentador da LIIT:

 

Art. 27. Os órgãos e as entidades da administração pública poderão contratar diretamente ICT pública ou privada, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou em consórcio, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor, com vistas à realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador, nos termos do art. 20 da Lei n. 10.973, de 2004, e do inciso XXXI do art. 24 da Lei 8.666, de 1993”.

 

Não obstante as colocações acima, impende frisar que as áreas técnicas do Conselho Nacional de Justiça, em particular o Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação, não se consideram competentes para emitir quaisquer posicionamentos atinentes à regularidade e à fundamentação jurídica da aplicação da LIIT no caso concreto em análise.

 

Nesse sentido, o presente parecer não se ocupará dessa matéria, passando a considerar, em abstrato, a aplicação da LIIT de forma genérica, uma vez que essa é a fundamentação jurídica que sustenta boa parte das argumentações sustentadas pelo TJSP.

 

Logo, conforme sopesado no parecer, não se ignora que a Lei 10.973/2004 (Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica – LIIT) possibilita um regime de contratação diferenciado, mas isso não quer dizer que franqueie toda e qualquer licitação/contratação realizada à margem da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), que, de qualquer modo, no caso, ficará ao exame de legalidade dos órgãos de fiscalização, conforme preceitua a própria Constituição da República (art. 103-B, § 4º, II).

 

3.2 – Da aplicação das Resoluções CNJ 182/2013 e 211/2015

Acerca da tramitação do procedimento de contratação, a e. Corte Bandeirante informou que “foi decretado temporariamente o sigilo do processo, até a efetivação do contrato, com fundamento nos arts. 7º, § 1º, 23, VI e VII, 24, §§ 1º ao 5º e 27, III, da Lei nº 12.527/2011”, e que professores da Universidade de São Paulo “reconheceram a regularidade e legalidade da decretação de sigilo”.

Já a TI deste Conselho, ao tecer considerações sobre os procedimentos a serem adotados nessa tramitação, destacou como importantes os preceitos das Resoluções CNJ 182/2013, que dispõe sobre diretrizes para as contratações de Solução de Tecnologia da Informação e Comunicação pelos órgãos submetidos ao controle administrativo e financeiro do Conselho Nacional de Justiça, e 211/2015, que institui a Estratégia Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicação do Poder Judiciário (ENTIC-JUD), porquanto “ambas resoluções são resultado da necessidade de se estabelecerem parâmetros mínimos de governança nas contratações de TI no Poder Judiciário e, ainda, decorrem de recomendações exaradas pelo Tribunal de Contas da União”.

Em relação à Resolução CNJ 182/2013, ponderou “que tal norma foi exarada em vista das recomendações constantes nos Acórdãos 1603/2008, 145/2011, 54/2012 e 1233/2012, todos do Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), os quais não têm como objeto a contratação de projetos de inovação tecnológica”, mas sim a finalidade de “disciplinar e orientar os processos de contratação de tecnologias e de soluções tradicionais, sujeitas integralmente à Lei 8.666/1993 e cuja prática se revela prejudicial à Administração Pública quando realizada sem planejamento e sem a adoção de medidas de amplo planejamento prévio de adequada governança institucional”.

Ressaltou, assim, que “o Conselho Nacional de Justiça não possui norma disciplinadora específica para contratações de inovação tecnológica, fato que pode ensejar na possibilidade de não obrigatoriedade da aplicação da Resolução CNJ nº 182/2013 para o contrato em comento” ou seja,da aplicação da norma em contratos, de inovação tecnológica, devido às suas particularidades, objetos e características específicas”.

 Entretanto, considerou ser salutar a observância de certos dispositivos da norma, assim como a observância da Instrução Normativa 01/2019 – Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia – já que trata de contratações baseadas na LIIT:


Art. 15. O documento Sustentação do Contrato deverá conter, sempre que possível e necessário, os seguintes elementos:

I – os recursos materiais e humanos necessários à continuidade do objeto contratado;

II – a continuidade do fornecimento da Solução de Tecnologia da Informação e Comunicação em eventual interrupção contratual;

III – as atividades de transição contratual e de encerramento do contrato, que incluem, no mínimo a:

a) entrega de versões finais dos produtos alvos da contratação;

b) transferência final de conhecimentos sobre a execução e a manutenção da Solução de Tecnologia da Informação e Comunicação;

c) devolução de recursos materiais;

d) revogação de perfis de acesso;

e) eliminação de caixas postais.

IV – as regras para estratégia de independência do órgão com relação à empresa contratada, que contemplem, no mínimo:

a) a forma de transferência de conhecimento tecnológico nos casos de contratação de desenvolvimento de softwares sob encomenda no mercado de TIC;

b) os direitos de propriedade intelectual e autorais da Solução de Tecnologia da Informação e Comunicação, inclusive sobre os diversos produtos gerados ao longo do contrato, tais como a documentação, os modelos de dados e as bases de dados, justificando os casos em que tais direitos são exclusivos da empresa contratada.

 

Art. 17. O documento Análise de Riscos deverá conter, sempre que possível e necessário, os seguintes elementos:

I – a identificação dos principais riscos que possam vir a comprometer o sucesso da contratação ou que emergirão caso a contratação não seja realizada;

II – a mensuração das probabilidades de ocorrência e dos danos potenciais relacionados a cada risco identificado;

III – a definição das ações previstas para reduzir ou eliminar as chances de ocorrência dos eventos relacionados a cada risco;

IV – a definição das ações de contingência a serem tomadas caso os eventos correspondentes aos riscos se concretizem; e

V – a definição dos responsáveis pelas ações de prevenção dos riscos e dos procedimentos de contingência.

 

Consoante às colocações aqui presentes, cabe menção à recente publicação da Instrução Normativa 01/2019, por parte da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, que prevê normas específicas a para contratações baseadas na LIIT e que dispõe “sobre o processo de contratação de soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação - SISP do Poder Executivo Federal”.

 

Recomendou, por fim, que o CNJ “no prazo mais breve possível, inicie estudos para a elaboração de resoluções ou de outros normativos aplicáveis para o efetivo disciplinamento das contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fulcro na conhecida Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica”.

Assim sendo, faz-se necessário, de fato, trazer à reflexão de todos a conveniência de regramento específico que trate das contratações com fundamento na LITT.

Quanto à Resolução CNJ 211/2015, afirmou aquela área técnica deste Conselho que o normativo se refere “a aspectos de Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação em espectro amplo, independentemente da ação ou do projeto em comento, ou qualquer que seja a forma de contratação, a estratégia empregada, ou outros aspectos quaisquer”. Sendo assim, sugeriu:


[...] consulta ao TJSP, para que explicite, para o contrato em análise, o cumprimento do teor expresso na Resolução CNJ nº 211/2015, em especial nos quesitos disciplinados nos dispositivos abaixo: 

 

Art. 7º Cada órgão deverá constituir um Comitê de Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação que ficará responsável, entre outros, pelo estabelecimento de estratégias, indicadores e metas institucionais, aprovação de planos de ações, bem como pela orientação das iniciativas e dos investimentos tecnológicos no âmbito institucional.

Parágrafo único. Recomenda-se que a composição do Comitê de Governança seja multidisciplinar, e com a participação das principais áreas estratégicas do órgão, incluindo Magistrados dos diversos graus de jurisdição e a área de Tecnologia da Informação e Comunicação.

 

Art. 8º A área de TIC deverá constituir Comitê de Gestão que ficará responsável, entre outros, pela elaboração de planos táticos e operacionais, análise das demandas, acompanhamento da execução de planos, estabelecimento de indicadores operacionais, e proposição de replanejamentos.

Parágrafo único. O referido Comitê deverá ser composto pelo titular da área de TIC e gestores das unidades ou servidores responsáveis pelos macroprocessos elencados no art. 12.

 

Art. 9º Cada órgão deverá elaborar e aplicar política, gestão e processo de segurança da informação a serem desenvolvidos em todos os níveis da instituição, por meio de um Comitê Gestor de Segurança da Informação, e em harmonia com as diretrizes nacionais preconizadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

Sugere-se, pois, que o TJSP aponte as respectivas manifestações por parte de seu Comitê de Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação, de seu Comitê Gestor de TIC e de seu Comitê Gestor de Segurança da Informação, dentre outros elementos aplicáveis.

 

No caso de descumprimento total ou parcial da citada norma, sugere-se que seja facultado ao TJSP apresentar as razões e as motivações para o não atendimento ao texto normativo, a serem eventualmente apreciadas por este Conselho Nacional de Justiça.

 

Nessa esteira, concluiu ser imprescindível que a contratação em apreço seja objeto de exame pelos órgãos colegiados de governança do próprio Tribunal de Justiça:


Ressalta-se, pois, que o TJSP deve utilizar-se de garantias de que foram devidamente considerados os riscos da contratação e adotadas as todas as medidas necessárias e possíveis para a minimização de tais riscos e, principalmente, a expressa consideração de que, apesar dos riscos, minimizados ou não, os ganhos possíveis se revelam consideravelmente maiores do que a não-contratação ou a adoção de outras alternativas existentes. Quando se trata de um projeto transversal (como o em análise) e que perdurará para além da atual gestão do TJSP, é indispensável que a decisão sobre a contratação perpasse pelos órgãos colegiados de governança da instituição para que a continuidade do projeto se torne uma estratégia institucional e não apenas uma iniciativa isolada e temporal.

 

Já a e. Corte Paulista defendeu que “houve decretação de sigilo no expediente em que tramitou o processo de encomenda tecnológica [...] em razão da extrema criticidade da questão” e que esse sigilo teria sido o motivo da “dispensa de observar os ritos internos e administrativos de tramitação de processos de contratação”.

Verificada, pois, a senda normativa e não tendo sido submetida a questão ao crivo de seus comitês internos, há de reconhecer-se ter havido inobservância da norma do CNJ, inobservância a ser corrigida, a fim de evitar prejuízo à finalidade por ela colimada: a participação e verificação das instâncias e atores internos no estabelecimento de estratégicas que se alinhem com a realidade local, especialmente no que diz respeito aos recursos humanos, administrativos e financeiros.

 

3.3 – Do Sistema PJe 2.1

Outra consideração trazida pelo órgão técnico deste Conselho foi a necessidade de manifestação do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da versão 2.1 do PJe.  De acordo com a TI, era preciso que aquela Corte apresentasse as razões por que o sistema não atenderia às suas necessidades.

Nesse ponto, o e. Tribunal Bandeirante acostou manifestação em que afirma persistirem limitações no PJe que poderiam ensejar mais ônus e morosidade à Justiça Paulista. Entre as quais, destacou: “não atua em processos físicos [...] Logo, a adoção do PJe pelo TJSP não eliminaria a necessidade de manter a contratação de empresa atual”; “não traz qualquer mudança sobre o sistema de governança das evoluções do sistema”; “o volume de ações em tramitação no TJSP [...] representa quase 25% do total de processos em andamento no Brasil [...] o PJe não possui estrutura de infra para suportar esse volume de processos”; “a nova versão do PJe ainda não atua em nuvem, o que demandaria que o TJSP realizasse investimentos maciços em renovação de seu parque computacional de Datas Centers, da ordem de R$ 1 bilhão de reais”; pressupõe investimento no desenvolvimento de módulos próprios do sistema PJe”; “a atividade fim dos Tribunais de Justiça não é a de desenvolvimento de sistemas de software”.

No que diz respeito ao módulo criminal, asseverou que “atua apenas na fase de instrução”, “não está integrado com outros órgãos públicos”, enquanto “o atual módulo criminal do TJSP está amplamente funcional em todo o Estado, estando, inclusive, amplamente integrado com as delegacias de polícia”.

Arrematou, desse modo, que “a nova versão 2.1 do PJe persiste não atendendo às necessidades do tribunal, sendo incapaz de substituir o SAJ 5, atual sistema de tramitação eletrônica”.

Com efeito, são considerações dotadas de plausibilidade, que hão de ser ponderadas por este Conselho. Todavia, como já enfatizado anteriormente, a atuação do CNJ se pauta pela formulação de políticas nacionais, consubstanciadas em Resoluções a serem observadas pelos Tribunais, com natureza cogente.

Dessa forma, forçoso é convir que peculiaridades locais não afastam ipso facto o dever de dar cumprimento às determinações nelas materializadas, o que não significa, contudo, que deixarão de ser apreciadas depois de o CNJ ser provocado.

No caso vertente, portanto, não há como deixar de perceber que, ao não submeter a questão ao Conselho Nacional de Justiça, a conduta adotada pelo e. Tribunal Paulista divorciou-se de preceitos normativos cogentes.

Assim, nem se diga que a tramitação sigilosa adotada poderia ser invocada como razão suficiente para a não apresentação de pleito de relativização ao CNJ, sobretudo porque o processo também poderia tramitar sob sigilo neste Órgão de Controle.

Ademais, alegações genéricas acerca do PJe 2.1 não se mostram capazes de afastar a aplicação da norma, fazendo-se necessária nova manifestação, a partir de informações detalhadas e específicas a serem fornecidas pela TI deste Conselho, que deverão ser levadas também à apreciação dos comitês internos, na forma das Resoluções mencionadas.

 

3.4 – Da relativização

Também ressaltou o órgão técnico deste Conselho que não poderiam ser desconsideradas as previsões do art. 44 da própria Resolução CNJ 185/2013, notoriamente restritivas:


Considerando que o objeto da contratação em comento inclui o desenvolvimento, “a partir do zero”, de um novo sistema de tramitação processual em toda a jurisdição do TJSP, há que se considerar, particularmente, a previsão expressa no art. 44, Resolução 185/2013, in verbis:

 

Art. 44. A partir da vigência desta Resolução é vedada a criação, desenvolvimento, contratação ou implantação de sistema ou módulo de processo judicial eletrônico diverso do PJe, ressalvadas a hipótese do art. 45 e as manutenções corretivas e evolutivas necessárias ao funcionamento dos sistemas já implantados ou ao cumprimento de determinações do CNJ.

Parágrafo único. A possibilidade de contratação das manutenções corretivas e evolutivas referidas no caput deste artigo não prejudica o integral cumprimento do disposto no art. 34 desta Resolução.

 

[...] Nesse aspecto, considerando-se que o projeto do TJSP prevê o desenvolvimento de uma novíssima solução de tramitação processual, verifica-se a provável violação da previsão expressa principalmente no art. 44.

 

Nesse cenário, sugere-se que TJSP proceda meticulosa, pormenorizada e integral análise do sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe, desenvolvido e fornecido por este Conselho Nacional de Justiça, sendo considerada exclusivamente a versão mais atual, no caso, a versão 2.1 do sistema, de forma conjunta com toda a documentação técnica produzida pelo CNJ.

 

Tal avaliação, poderá contar com testes práticos, com provas de conceito, com informações técnicas prestadas pelas equipes do CNJ, com visitas a outros tribunais já usuários, dentre outros recursos.

 

A partir dessa avaliação, sugere-se facultar ao TJSP apontar ao CNJ todos os aspectos, razões e motivações, pelas quais o sistema não atenderia às necessidades daquele Tribunal, tanto nos aspectos técnicos como estratégicos, econômicos, de governança, dentre outros.

Adicionalmente, a exemplo do já praticado pelo TJRJ, sugere-se ao TJSP apontar quais as porções do sistema PJe 2.1 deveriam ser desenvolvidas, modificadas ou aperfeiçoadas para o pleno atendimento às necessidades daquela Corte de Justiça.

 

Por fim, sugere-se que o TJSP manifeste-se quanto à implantação do SEEU (Sistema Eletrônico de Execução Unificada), instituído pela Resolução 223/2016 uma vez que a melhoria do sistema carcerário e a racionalização das execuções penais no Brasil dependem da integração de todo o Poder Judiciário, já em estágio avançado de implantação em outras unidades da Federação.

 

 Não obstante, pontuou que a relativização, prevista no art. 45, é encampada pelo Tribunal Paulista para sustentar a instituição de nova plataforma digital.

Por fim, concluiu o parecer com a seguinte proposta:


Diante dos elementos analisados, sugere-se:

1.    Que o TJSP seja solicitado a explicitar, para o contrato em análise, o cumprimento do teor expresso na Resolução CNJ nº 211/2015, em especial na previsão dos arts. 7º, 8º e 9º. No caso de descumprimento total ou parcial, que seja facultado apresentar as razões e as motivações para o não atendimento do texto normativo, com o fito de serem eventualmente apreciadas por este Conselho Nacional de Justiça.

2.  Que o Conselho Nacional de Justiça analise e considere a possibilidade da não obrigatoriedade da aplicação da Resolução nº 182/2013 nos casos de contratações fundamentadas na Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica, bem como a possível aplicação de tal entendimento, se for o caso, ao contrato em análise.

3.     Que o TJSP proceda meticulosa análise do sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe, versão 2.1, apresente detalhadas razões pelas quais o sistema não atenderia às necessidades do Tribunal e apresente seus argumentos para eventual análise por parte deste Conselho Nacional de Justiça.

 

É o parecer.

 

No ensejo, aproveita-se o precedente em tela para recomendar, ao Conselho Nacional de Justiça, que, no prazo mais breve possível, inicie estudos para a elaboração de resoluções ou de outros normativos aplicáveis para o efetivo disciplinamento das contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fulcro na conhecida Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica.

 

No que tange à relativização (art. 45), a e. Corte Bandeirante sustentou que “não se entendeu que a contratação com a Microsoft violaria a decisão transcrita" no Cumprdec 0003686-39.2014.2.00.0000, “uma vez que não apenas a relativização da Res. CNJ nº 185/13 já havia sido expressamente deferida pelo CNJ, de forma unânime, como, também, em momento algum condicionou a evolução do sistema de processo eletrônico do TJSP à prévia autorização”.

Além disso, consignou “que, transcorridos mais de cinco anos da vigência da Resolução n° 185/13 e ultrapassados todos os prazos nela estabelecidos, o PJe não se encontra pronto nem em termos de ser implantado para funcionar em todas as competências, o que acrescido ao fato de o contrato do TJSP com a Softplan expirar em março próximo, impôs uma tomada de decisão em direção ao mercado para fazer frente ao imenso volume de processos e evitar a insegurança resultante das interrupções, falhas e quedas no sistema, que vem marcando a relação negocial com a atual contratada”.

Quanto ao ponto, há de reconhecer-se que o art. 45, de fato, possibilita a relativização de previsões da Resolução CNJ 185/2013 e que essa flexibilização alcança o art. 44, que veda a criação, desenvolvimento, contratação ou implantação de sistema diverso do PJe após a vigência daquele normativo:


Art. 44. A partir da vigência desta Resolução é vedada a criação, desenvolvimento, contratação ou implantação de sistema ou módulo de processo judicial eletrônico diverso do PJe, ressalvadas a hipótese do art. 45 e as manutenções corretivas e evolutivas necessárias ao funcionamento dos sistemas já implantados ou ao cumprimento de determinações do CNJ.

Parágrafo único. A possibilidade de contratação das manutenções corretivas e evolutivas referidas no caput deste artigo não prejudica o integral cumprimento do disposto no art. 34 desta Resolução.

 

Art. 45. O Plenário do CNJ pode, a requerimento do Tribunal, relativizar as regras previstas nos arts. 34 e 44 desta Resolução quando entender justificado pelas circunstâncias ou especificidades locais.

 

Referida relativização, porém, só pode ser tomada pelo Plenário do CNJ, sob pena de afronta a literal disposição da Resolução CNJ 185/2013. Ademais, não se reveste de natureza discricionária a ensejar liberdade irrestrita aos órgãos submetidos ao controle do CNJ, para contratação de soluções tecnológicas absolutamente desvinculadas da política nacional. Pelo contrário, só há de ser feita depois de pleiteado pelo Tribunal e justificada pelas circunstâncias ou especificidades locais, o que não havia ocorrido na hipótese dos autos, já que não houvera pedido de relativização e o próprio Conselho só tomou conhecimento da contratação por meio de notícia veiculada no sítio eletrônico do Tribunal.

Como já ressaltei na liminar, a relativização anterior a que se refere aquela Corte era naturalmente voltada à situação posta concretamente nos autos do já mencionado Cumprdec 0003686-39.2014.2.00.0000 (Rel. Fernando Cesar B. de Mattos) e cuja decisão teve os limites nela definidos. Hipótese diferente, a ser tida como abstrata, nos levaria a relembrar que nenhuma das relativizações até hoje julgadas pelo Plenário constituíram – nem o poderiam ter feito – uma “carta branca” para que a partir daquele momento o Tribunal passasse a agir, na espécie, sem observar as diretivas do CNJ na matéria.

Não deixo, entretanto, de repetir que a autonomia ressaltada pelo e. Tribunal Bandeirante encontra sim eco neste Conselho e, sobretudo, neste Relator: não há como desconhecer a realidade única do sistema judiciário, complexo e diversificado, edificado sobre os pilares constitucionais da independência entre os Poderes (arts. 2º, 92 e 93), da autonomia dos Tribunais (arts. 96 e 99), especialmente diante do princípio-chave da Federação (art. 125), que consagra a máxima parcela de autonomia, dentre os Tribunais do País, aos Tribunais dos Estados (art. 125), únicos a ombrear-se com o Supremo Tribunal Federal no dever magno do controle concentrado de constitucionalidade (arts. 102, I, a, e 125, § 2º).

Nada obstante, reforço que eventuais contratações em que incida a Resolução CNJ 185/2013 devem ser submetidas ao crivo deste Conselho, sob pena de comprometimento da gestão estratégica de tecnologia da informação do Poder Judiciário e, salvo melhor juízo, do próprio interesse público.

Portanto, diante de todas as considerações aduzidas, vê-se que não se mostra possível, no momento, decidir em definitivo sobre relativização sem prévia e aprofundada análise de novas informações que deverão apresentadas pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, à luz dos esclarecimentos a serem fornecidos pela TI do CNJ e do exame dos comitês internos, na forma das Resoluções mencionadas.

 

IV – DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, diante das manifestações complementares do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, voto no sentido de manter suspensa a contratação, permitindo ao Tribunal dar prosseguimento ao estudo da matéria mediante tramitação interna, com a observância das seguintes determinações:


1. dê cumprimento à Resolução CNJ 211/2015, com a devida submissão da licitação/contratação ao seu Comitê de Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação, ao Comitê Gestor de TIC e ao Comitê Gestor de Segurança da Informação, entre outras previsões da norma (conforme Id. 3599917), para posterior apreciação por este Conselho;

 

2. proceda a detido exame de informações a serem apresentadas, ao Tribunal, pelo Departamento de Tecnologia da Informação do CNJ sobre o Sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe, versão 2.1, também com a avaliação dos comitês internos, mediante cronograma de análise a ser apresentado ao CNJ em até 10 (dez) dias a partir da apresentação das informações;

 

3. observe a necessidade de interoperabilidade do sistema com o PJe, por meio da adesão ao Modelo Nacional de Interoperabilidade e da utilização do Módulo Escritório Digital (Comissão - 0004349-51.2015.2.00.0000 - Rel. Luciano Frota - 50ª Sessão Extraordinária - j. 11/09/2018);

 

4. manifeste-se quanto à implantação do Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU), instituído pela Resolução CNJ 223/2016 como o sistema padrão de processamento de informações e da prática de atos processuais relativos à execução penal.

 

No mais, por tratar-se de procedimento geral (Cumprdec), que se volta a garantir a efetivação de atos normativos ou de decisões do Conselho, e dado que todos os fatos trazidos aos autos foram direta ou indiretamente versados, voto pela manutenção da jurisprudência também nisto, com o indeferimento da admissão das terceiras interessadas (Questão de Ordem em Pedido de Providências - 0006055-69.2015.2.00.0000 - Rel. Bruno Ronchetti de Castro - 231ª Sessão Ordinária - j. 10/05/2016), e pela autuação de Procedimento de Comissão próprio, a partir do desentranhamento dos Ids. 3561380, Id. 3568033, 3568034, 3568037, 3568038, 3568039, 3568041, 3568043, 3568044, 3568046, 3574415, 3574508, 3574537, 3578770, 3579024, 3583032, 3583135, 3583139, 3583140, 3583143, 3594319, 3594320, 3594326, 3594328 a 3594335, 3594337 a 3594339, 3599917, 3602208, 3602210, 3602243, 3602244, 3602245, 3602246, 3602247, 3602248, 3602755 e 3602757, certificando-se.

Por fim, voto também pelo acolhimento da proposta da TI deste Conselho, mediante autuação de procedimento próprio, para que se promovam estudos destinados à elaboração de ato normativo que discipline contratações de projetos de inovação de Tecnologia da Informação e Comunicação, com fundamento na Lei de Incentivo à Inovação Tecnológica, em razão da aparente insuficiência da Resolução CNJ 182/2013.

É o voto.

Brasília/DF, data registrada no sistema

 

 

Conselheiro Márcio Schiefler Fontes

Relator

 

Brasília, 2019-04-11.