Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0005301-30.2015.2.00.0000
Requerente: MARLOS ROBERTO MAGALHAES
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

CONSULTA. SERVIDOR DO PODER JUDICIÁRIO. MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EXERCÍCIO PARALELO DAS ATIVIDADES. IMPOSSIBILIDADE. 

1. É incompatível com o desempenho da função de servidor público do Poder Judiciário o exercício paralelo de mediação extrajudicial, sobretudo remunerada, pois, constituindo atividades correlatas, há evidente potencial de conflito entre interesses públicos e privados, criação de indevida expectativa nos agentes envolvidos no procedimento privado de solução de conflitos e estabelecimento de trato anti-isonômico quanto aos demais mediadores.

2. Os princípios constitucionais da isonomia (art. 5º, caput), da impessoalidade e da moralidade administrativa (art. 37, caput) pressupõem, necessariamente, imparcialidade na atuação pública, colocada em risco ao se permitir o exercício de serviço público e trabalho privado concomitantes.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu à consulta, nos termos do voto do Relator. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 19 de junho de 2018. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Cármen Lúcia, João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Arnaldo Hossepian, Valdetário Andrade Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0005301-30.2015.2.00.0000
Requerente: MARLOS ROBERTO MAGALHAES
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO  

  

Trata-se de consultas formuladas pelos servidores Marlos Roberto Magalhães, do e. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (CONS 5301-30), e Luciano Motta Nunes Lopes, do e. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (CONS 9881-35), acerca da possibilidade de servidores do Poder Judiciário exercerem a função de mediador extrajudicial. 

Verifico que ambos os questionamentos versam sobre matérias análogas, o que faz de todo oportuno julgamento conjunto.

Consulta 5301-30 

O consulente alega, em síntese: a) deseja atuar como mediador extrajudicial, com remuneração pelo serviço prestado, em comarca diversa daquela em que desempenha suas atribuições públicas; b) dispõe de tempo livre após o término de sua jornada; c) o art. 9º da Lei 13.140/2015 prevê que “poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação”; e d) não haveria óbice ao desempenho conjunto das atividades, pois a mediação seria atividade eminentemente privada, o que não implicaria acumulação de funções públicas.

Previamente, informa ter encaminhado consulta de igual teor à Corregedoria Geral do Estado da Paraíba, que considerou incompatível o exercício simultâneo das atividades. Em razão de tal fato, pugna para que este Conselho se manifeste acerca da dúvida suscitada.

Instado, o e. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba reiterou os fundamentos apresentados pela Corregedoria Geral da Justiça daquele Estado na supracitada consulta, bem como afirmou que o entendimento é compartilhado pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal (Nupemec) e que não há qualquer ato normativo daquela Corte que discipline a questão (ID 1944486).

Encaminhados os autos ao Comitê Gestor da Conciliação, sobreveio manifestação no sentido de sugerir o encaminhamento da matéria à análise da Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas para avaliação da conveniência e oportunidade da edição de normativo de alcance nacional, e posterior arquivamento do presente feito, em razão de se tratar de consulta acerca de caso concreto (ID 1955539).

Consulta 9881-35

O consulente alegou: a) deseja realizar atividade de mediador extrajudicial fora do horário de expediente; b) o art. 5º, XIII, da Constituição da República estabelece ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”; c) finalizou, em maio de 2017, curso de formação de mediadores na Escola da Magistratura do Espírito Santo, razão pela qual se considera apto a exercer a atividade; e d) não haveria norma legal que expressamente vede o exercício conjunto das atividades, não havendo falar em “captação indevida, tendo em vista que este se propõe a fazer mediações em demandas não vinculadas ao Poder Judiciário” (ID 2321527, fl. 4).

Tais alegações foram propostas inicialmente perante o Corregedor Geral da Justiça do Espírito Santo, que determinou, de imediato, o envio a este CNJ, pois verificou se tratar “de matéria complexa, cujos reflexos transcendem as fronteiras deste Estado” (ID 2321526, fl. 2).

Consta dos autos certidão de prevenção a esta relatoria (ID 2321496), reconhecida por meio de despacho proferido no ID 2324709.

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0005301-30.2015.2.00.0000
Requerente: MARLOS ROBERTO MAGALHAES
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

VOTO 

 

 

Preliminarmente, embora o Comitê Gestor da Conciliação tenha opinado pelo não conhecimento da Consulta 5301-30, por considerá-la relativa a caso concreto, entendo que a tese se reveste de interesse geral, porquanto atinente à política nacional de incentivo a mecanismos consensuais de solução de conflitos, com possibilidade de afronta a princípios constitucionais e prejuízo ao interesse público.

Ademais, é emblemático que servidores de unidades distintas da Federação (Alagoas e Espírito Santo) formulem consultas semelhantes, o que sugere a potencialidade – diria até probabilidade – de a situação replicar-se pelo país. Assim, com razão o Corregedor Geral da Justiça do Espírito Santo ao consignar que a questão transcende os limites de uma única unidade federada.

Prejudicada, além disso, a proposta do Comitê de envio do procedimento à Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas para edição de ato normativo, uma vez que “A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral” (§ 2º do art. 89 do RICNJ).

Nesse contexto, conheço das Consultas.

Prevista no Código de Processo Civil, na Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) e na Resolução CNJ 125/2010, a mediação apresenta-se como meio de solução de controvérsias entre particulares, consubstanciada na atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula na identificação ou desenvolvimento de soluções consensuais para o conflito (art. 1º da Lei 13.140/2015).

Trata-se, pois, de verdadeiro instrumento de pacificação social, solução e prevenção de litígios, que pode ser realizado tanto em âmbito judicial (mediação judicial) quanto extrajudicial (mediação extrajudicial).

O mediador, portanto, assume a função de conduzir procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso, bem como facilitando a resolução da controvérsia, seja quando já existente processo jurisdicional (mediador judicial) ou antes da judicialização do caso (mediador extrajudicial).

No caso ora em análise, as dúvidas suscitadas dizem respeito à possibilidade de servidor do Poder Judiciário atuar como mediador extrajudicial fora do horário de expediente no serviço público, sendo remunerado pelo exercício da atividade privada.

Entre os deveres dos servidores públicos, destaca-se a obediência, entre outros, aos princípios constitucionais da isonomia (art. 5º, caput), da impessoalidade e da moralidade administrativa (art. 37, caput).

Além de garantirem atuação pública justa, referidos princípios possuem o objetivo, entre outros, de inspirar nos terceiros que se relacionam com a Administração a tranquilidade de que o servidor atuou dentro dos postulados éticos.

A mera presença, em procedimento privado de mediação extrajudicial, de servidor dos quadros do Poder Judiciário na condição de mediador – que, diga-se, exercerá papel relevante, porquanto, conforme já referido, o mediador atua como condutor dos atos – acaba por ensejar nos demais atores injusta expectativa de benefício ou desvantagem na hipótese de futura judicialização daquela demanda, em caso de acordo frustrado.

Quanto ao ponto, oportuno lembrar a inafastabilidade da jurisdição garantida pela Constituição da República (art. 5º, XXXV), de modo que em tese, malogrado o procedimento de mediação, é possível ajuizamento de ação que verse sobre o mesmo objeto da composição mal sucedida.

A atividade privada de mediação extrajudicial revela, portanto, forte potencial de imiscuir-se na atribuição pública do Poder Judiciário. Em consequência, a presença de servidor público na mediação enseja, desnecessariamente, hipótese de conflito entre interesses públicos e privados.

Ademais, atuação em procedimento privado de mediação extrajudicial por parte de servidor do Poder Judiciário, com todo simbolismo que este atrai, implica tratamento anti-isonômico quanto aos demais mediadores.

Afigura-se, portanto, incompatível com o desempenho da função pública o exercício de atividade privada que tem relevante potencial de possibilitar conflito entre interesses públicos e privados, criar indevida expectativa nos atores envolvidos e tratamento anti-isonômico entre os mediadores.

Isso porque os princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa pressupõem, necessariamente, imparcialidade na atuação pública, colocada em risco ao se permitir o exercício conjunto de serviço público e trabalho particular concomitantes.

É por essa razão que, embora tenha caráter privado, a função de mediador extrajudicial não deve ser exercida por servidor do Poder Judiciário, sob pena de ofensa a princípios constitucionais e desvirtuamento do interesse público.

Quanto ao mediador particular, constata-se que, embora a Lei 13.140/2016 e o Código de Processo Civil não estabeleçam vedação expressa à atuação de servidor público (do Judiciário) em atividade particular (mediação), o Código cuidou de evitar a influência de interesse particular na atuação pública.

Com efeito, é vedado que advogados trabalhem no juízo em que atuam como conciliadores e mediadores judiciais, verbis:

 

Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.

[...]

 § 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções.

 

Ressalte-se, ainda, que este Conselho já se manifestou, em Consulta (0004977-50.2009.2.00.0000), à unanimidade, pela impossibilidade de exercício da atividade arbitral por servidores do Poder Judiciário, por considerar que tal atuação afrontaria o princípio da moralidade administrativa, como segue:

 

CONSULTA – INDAGAÇÕES ACERCA DA RESOLUÇÃO N.º 75/2009-CNJ – ARBITRAGEM - NATUREZA JURISDICIONAL - EXERCÍCIO - SERVIDOR DO PODER JUDICIÁRIO – INCOMPATIBILIDADE – PRINCÍPIO DA MORALIDADE – DEMAIS QUESTIONAMENTOS – PREVISÃO EXPRESSA NA RESOLUÇÃO.

Sendo a atividade arbitral, embora privada, de natureza jurisdicional, é incompatível o exercício dessa função por parte de servidores do Poder Judiciário, a luz do que prevê os artigos 116, IX, c/c, 117, XVIII, da Lei n.º 8.112/1990, sob pena de afronta aos princípios éticos a que estão vinculados todos os servidores públicos.

Demais questionamentos têm respostas previstas expressamente na Resolução n.º 75/2009-CNJ.

(CNJ – Consulta 0004977-50.2009.2.00.0000 - Rel. Cons. Milton Augusto de Brito Nobre - 92ª Sessão - j. 13-10-2009).

 

Depreende-se do voto do Relator que a função de árbitro, mesmo tratando-se de atividade privada e não havendo expressa vedação legal, não pode ser exercida por servidor do Judiciário:

  

Acerca da primeira indagação, esclareço, sem mais delongas, que embora não exista nenhuma vedação expressa na Lei n.º 9.307/1996 (Lei da Arbitragem), a Lei n.º 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos) proíbe, em seu artigo 117, XVIII, “o exercício de quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função”, e, como a arbitragem, embora tenha caráter privado, possui natureza jurisdicional, há flagrante incompatibilidade do seu o exercício por parte dos servidores do Poder Judiciário.

A função de árbitro está intrinsecamente ligada à atividade judicante propriamente dita, logo é evidente que um servidor do Poder Judiciário não deve exercê-la, sob pena de ofensa aos princípios éticos, aos quais todo servidor público está vinculado, mormente o princípio da moralidade administrativa que, além de previsão expressa na Constituição da República, está tratado no artigo 116, IX, da Lei n.º 8.112/1990, como um dos deveres daqueles investidos nas funções do serviço público.

Ademais, a despeito de a relação existente entre o árbitro e as partes interessadas, em um primeiro momento, ser contratual, pois oriunda da cláusula compromissória, decorrente da opção pela arbitragem, prevista no artigo 3º e seguintes da Lei 9.307/1996, ao se investir na função, o árbitro passa a ser o juiz de fato e de direito da causa, conforme artigo 18 da citada lei, inclusive, sua decisão faz coisa julgada material, não estando sujeita a recurso ou homologação. [...]

Desse modo, respondo negativamente ao primeiro ponto analisado na presente consulta, ou seja, é vedado aos auxiliares administrativos dos Juizados Especiais o exercício da atividade arbitral, ainda que de forma não remunerada e fora de seu expediente de trabalho, em razão da regra contida nos artigos 116, XI c/c 117, XVIII, da Lei n.º 8.112/1990.

 

Verifica-se, ainda, que o fato de servidor do Judiciário atuar apenas em mediações extrajudiciais fora da Comarca em que está lotado não ilide o risco conflito de interesses, porquanto o fenômeno dos contratos de adesão em massa (ex: serviços bancários, telefonia, planos de saúde etc.), com a consequente judicialização em grande escala, não respeita os limites e regras próprias das divisões jurisdicionais.

Em outras palavras, inevitável que empresas e consumidores que hoje participam de procedimento de mediação em determinada região encontrem-se algum tempo depois, em comarca distinta, no polo ativo ou passivo de ações judiciais.

Ante o exposto, com o intuito de resguardar o interesse público, de manter a confiança dos jurisdicionados nas atividades do Poder Judiciário e em observância aos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa, voto pelo conhecimento das presentes Consultas para que sejam respondidas negativamente, no sentido de que não é possível que servidores públicos do Poder Judiciário atuem como mediadores extrajudiciais.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

 

Conselheiro Márcio Schiefler Fontes

Relator

 

 

Brasília, 2018-06-20.