Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007002-55.2017.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Requerido: CRISTIANA DE FARIA CORDEIRO

 


 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. SUFICIÊNCIA DA APURAÇÃO REALIZADA PELA CORREGEDORIA LOCAL. DESNECESSIDADE DE ATUAÇÃO DA CORREGEDORIA NACIONAL.

1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a decisão da Corregedoria local, quando é exauriente e bem fundamentada, não justifica a intervenção disciplinar da Corregedoria Nacional. Precedente.

2. Da análise dos documentos que instruem este feito depreende-se que a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem, o que torna desnecessária a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça no caso em comento.

3. A parte recorrente nada apresentou que pudesse justificar o provimento do recurso administrativo, não tendo demonstrado que a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação da legislação ou se equivocou na análise dos fatos, indícios e provas colacionados a estes autos. Assim, ante a inexistência de fatos novos capazes de infirmar os fundamentos da decisão de arquivamento, entendo que a decisão recorrida não merece reforma.

Recurso administrativo improvido.

 S02/S13 

 

 ACÓRDÃO

Após os votos dos Conselheiros Luciano Frota e Ivana Farina Navarrete (vistores), o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto do Relator. Vencidos os então Conselheiros Daldice Santana e Aloysio Corrêa da Veiga e a Conselheira Maria Cristiana Ziouva. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila e, em razão da vacância dos cargos, o Conselheiro membro de Tribunal de Justiça e Conselheiro magistrado da 1ª instância da Justiça Comum dos Estados. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 22 de outubro de 2019. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Candice Lavocat Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e André Godinho.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007002-55.2017.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Requerido: CRISTIANA DE FARIA CORDEIRO


RELATÓRIO


          

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

  

Cuida-se de recurso administrativo, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO e subscrito pela promotora Fernanda Abreu Ottoni do Amaral em desfavor da magistrada Dra. CRISTIANA DE FARIA CORDEIRO, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

Na petição inicial, o reclamante alegou que  a magistrada é que teria divulgado ofício da PJIJ de Itaguaí em seu perfil público no facebook, fazendo uso de termos inadequados e incompatíveis com a relevante função que desempenha, e contribuído para a difusão de diversas ofensas à Titular da PJIJ de Itaguaí, ocasionando reflexos importantes na Comarca.

Requereu, assim, a apuração dos fatos e a adoção das medidas cabíveis.

Esta Corregedoria Nacional determinou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro apurasse os fatos narrados no expediente no prazo de 60 (sessenta) dias. ID. 2285429.

Instada a apurar os fatos narrados, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou o arquivamento do expediente, ao argumento de que “o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que preferir, salvo nos casos de impropriedade ou excesso de linguagem”.

Acrescentou que a postagem do ofício teria sido acompanhada de comentários da reclamada “absolutamente divorciados de ataques ou palavras ofensivas à reclamante”, razão pela qual não seria possível afirmar que teria se comportado de maneira inadequada.

Esclareceu, por fim, que, após a postagem de referido ofício, houve dezenas de outras mensagens relacionadas ao assunto, de autorias diversas, não sendo possível imputar à reclamada mensagens escritas por outras pessoas.

O Corregedor Nacional à época, não concordando com a decisão da Corregedoria local, determinou oficiar à magistrada, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, prestasse informações – ID. 2909117.

Nas razões do recurso administrativo, alega o recorrente que:

“(...) ao contrário do mencionado na defesa da reclamada, em nenhum momento a signatária pretendia participar como palestrante do evento em questão. Ao revés do veiculado; a atuação da reclamante sempre se pautou em buscar compreender se o evento seria custeado com verbas públicas oriundas do FIA, as quais de destinam ao financiamento de projetos voltados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Após a expedição do documento, fora possível constatar que de fato, a preocupação da subscritora guardava pertinência. Isto porque, conforme se infere do DOCUMENTO 2, em anexo, as verbas oriundas do FIA seriam realmente utilizadas com a compra de camisas em comemoração ao evento, o que felizmente restou evitado.

Note-se que, ao contrário do alegado pela defesa da Reclamada, não foram utilizados quaisquer tons intimidatórios no documento referenciando à Magistrada Cristiana. Ademais, sequer há referência ao eventual questionamento sobre suposto valor a ser auferido pela Magistrada, tratando-se de uma interpretação, data máxima vênia, mal sucedida.” ID 3544889 – fl. 7.

Aduz, por fim, que:

(...) os fatos são graves e merecem detida apuração por esse Conselho Nacional de Justiça, no exercício de sua competência disciplinar.

Com a devida vênia, os fundamentos adotados nas decisões de arquivamento da ínclita Corregedoria de Justiça do Estado do Rio de Janeiro são superficiais e não apreciam a farta prova documental que instruiu as notícias de fato.

As provas juntadas consistem em documentos extraídos do Inquérito Civil n. 03/2015; mas não foram sequer consideradas para efeitos de arquivamento: o que se vê, ao revés, são decisões de arquivamento fundadas na suposta "falta de provas", mas que, paradoxalmente, não fazem Qualquer referência às diversas provas que instruíram as notícias de fato.” ID 3544898 – fl. 9 

Pugna, por fim, pela continuidade e instauração do procedimento de investigação.

É, no essencial, o relatório.

 

S02/10/S13

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007002-55.2017.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Requerido: CRISTIANA DE FARIA CORDEIRO

 


VOTO


            O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

Não merece provimento o presente recurso administrativo.

Inicialmente, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a decisão da Corregedoria local, quando é exauriente e bem fundamentada, não justifica a intervenção disciplinar da Corregedoria nacional.

 Nesse sentido:

"RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. SUFICIÊNCIA DA APURAÇÃO REALIZADA PELA CORREGEDORIA LOCAL. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. EXCESSO DE PRAZO. PERDA DE OBJETO.  AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA OU DISCIPLINAR. RECURSO DESPROVIDO. 

1. Quando a decisão da corregedoria local é exauriente, não se justifica a intervenção disciplinar da Corregedoria Nacional de Justiça. 

2. Se os argumentos desenvolvidos pelo recorrente, em essência, têm natureza jurisdicional – opções jurídicas de magistrado na condução de processo –, não cabe a análise pela Corregedoria Nacional. 

3. Julgados embargos de terceiro em relação aos quais se alegou, em reclamação disciplinar, excesso de prazo, ocorre a perda de objeto do expediente. 

4. Quando desvios imputados a magistrado revelam mero descontentamento da parte com o resultado de processo, a situação não enseja a intervenção da Corregedoria Nacional. 

5. Recurso administrativo desprovido." 

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0006698-56.2017.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 275ª Sessão Ordinária - j. 07/08/2018). 

Em análise acurada do presente expediente, verifica-se que a Corregedoria local determinou o arquivamento da reclamação disciplinar, com base nos seguintes fundamentos:

“Insurge-se a reclamante contra o fato de a Juíza ter supostamente violado o Código de ética da Magistratura, mais especificamente o seu artigo 16, ante ao fato de ter a Magistrada publicado ofício, da lavra da reclamante,
que fazia questionamentos a respeito da participação da reclamada em evento, envolvendo matéria vinculada à infância e juventude, a ser realizado na Comarca de Itaguaí/RJ em 30/08/2017.

Não merece prosperar a presente reclamação em face da Juíza Cristiana de Faria Cordeiro, titular da 7o Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu/Mesquita. O conteúdo probatório, juntado pela reclamante, não é suficiente a fim de configurar qualquer violação da Magistrada ao Código de ética da Magistratura, como quer a integrante da honrada Promotoria de Justiça deste Estado.

O ofício, objeto deste procedimento e que deu azo à insatisfação por parte da ilustre Promotora, não carrega caráter sigiloso, sendo certo que foi direcionado ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Itaguaí (CMDCA) e fez referência direta à Magistrada, que resolveu compartilhar em seu perfil na rede social facebook, sem que isso tenha o condão de configurar sequer tentativa de ataque à imagem da reclamante.

Até este ponto e considerando que a postagem do ofício fora acompanhada de comentários da Juíza absolutamente divorciados de ataques ou palavras ofensivas à reclamante, não se pode afirmar que a reclamada se comportou de maneira inadequada perante às funções que exerce na vida pública. É o que se pode denotar da leitura de fls. 188, onde a Juíza diz, entre outras, que iria atuar no evento de maneira gratuita e que conhece as regras aplicáveis ao caso.

Cabe ressaltar que, após a postagem do referido ofício, houve dezenas de outras mensagens relacionadas ao assunto, de autorias diversas, o que pode ter sido alvo de interpretação por parte da ilustre Promotora como
sendo de cunho inadequado. Entretanto, repise-se, à Juíza reclamada não se pode imputar mensagens outras originadas de outros personagens.

A par disso, o princípio da publicidade é um dos alicerces da atividade jurisdicional, na qual o Ministério Público, com sua condição de instituição permanente, é um dos entes de maior relevância em razão da previsão constitucional.

Com efeito, atento ao objeto deste procedimento, necessário aferir se a Juíza representada teria extrapolado os limites dos seus direitos e deveres ao se manifestar publicamente acerca de assunto, relacionado à sua atividade como palestrante de evento a ser realizado naquela Comarca. À toda evidência a resposta é não.

Destaque-se que, no tocante ao relacionamento interpessoal entre membros da Magistratura e Ministério Público, espera-se convívio harmonioso, e que eventuais diferenças em relação à maneira de atuar podem ser
superadas no estrito cumprimento dos deveres impostos tanto aos Membros da Magistratura quanto aos membros do Ministério Público, deveres esses que, no presente caso, não foram violados por parte da Juíza reclamada.

Ademais, consoante análise do contexto probatório, não se pode afirmar com toda certeza acerca da violação aos direitos conferidos à ilustre Promotora de Justiça.

No universo dos acontecimentos envolvendo autoridades públicas é certo que, em casos pontuais, diante de determinadas situações diversas, possa haver pequenos dissabores no que tange ao atuar na esfera de suas
responsabilidades, compelindo seus atores ao manejo das boas práticas de convivência profissional, neste caso concreto, entre membros do Judiciário e Ministério Público.

Neste diapasão, necessário esclarecer que não cabe a esta Corregedoria-Geral da Justiça imiscuir-se na questão ora discutida, sendo certo que escapa-lhe a apreciação de atos dessa natureza, uma vez que sua atuação restringe-se à organização, fiscalização e disciplina das atividades judiciais e extrajudiciais, com o fito de assegurar o desempenho regular do serviço prestado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Desta forma, não há como esta instância inclinar-se no sentido de provocar a abertura de Processo Administrativo Disciplinar em face da reclamada, haja vista não haver conduta disciplinar a ser apurada.

A própria LOMAN, em seu artigo 41, prevê que o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo nos casos de impropriedade ou excesso de linguagem.

Nesta mesma linha de raciocínio se direciona a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça, consoante ementa a seguir transcrita:

(...) 

Às fls. 267, convite assinado pelo Presidente da CMDCA dirigido à Juíza Cristiana Cordeiro para palestrar no I Fórum "um olhar para a proteção da criança e do adolescente na modernidade" que foi realizado no dia 30/08/2017, na cidade de Itaguaí.

Às fls. 188/224. cópia de todas as mensagens postadas pelos usuários do facebook envolvendo a questão ora ventilada.

Assim sendo, considerando todo o contexto, não se vislumbram indícios de falta funcional por parte da Juíza de Direito Titular da 7a Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu/Mesquita, Dra. Cristiana de Faria Cordeiro, a configurar infringência a deveres inerentes ao exercício da Magistratura - previstos no artigo 35, da Lei Complementar n° 35/79 (LOMAN), bem com ao Código de Ética da Magistratura.” ID 2641140 – fl. 2/5.

A magistrada instada a prestar informações determinada por essa Corregedoria Nacional, esclareceu que:

“Assim, a peticionária, a fim de demonstrar sua retidão comportamental com a maior brevidade possível, fez postagem em sua conta pessoal do Facebook, explicando o porquê do convite feito e informando que participaria do evento como palestrante de forma gratuita. 

Insofismavelmente, a conduta da peticionária se amolda com perfeição ao artigo 19 do Código de Ética da Magistratura Nacional: “Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial”. 

Diante da gravidade da suspeita levantada pelo desconchavado ofício em liça, não restou outra alternativa à peticionária, porquanto somente com a velocidade das redes sociais os danos à sua imagem pessoal e ao TJ/RJ poderiam ser amainados. 

Frise-se, dada a relevância, que o ofício ministerial publicado não ostentava caráter sigiloso, o que, aliás, potencializava seu efeito destrutivo. 

Ademais, a peticionária não se manifestou sobre casos em que atuou, respeitando, com isso, o artigo 5º do Provimento nº. 71/18 deste E. Conselho 1. Apesar de o referido ato ser posterior à ocorrência dos fatos em análise, verifica-se que o agir da peticionária está em sintonia com os ideais deste E. Conselho. 

Repise-se: a peticionária, ao realizar a postagem, pretendeu unicamente defender, com presteza, sua honra pessoal e a dignidade institucional do Poder Judiciário, haja vista a gravidade das suspeitas assacadas pelo fatídico ofício ministerial. 

Evidentemente a peticionária não pode – nem sequer em tese – ser responsabilizada disciplinarmente por atos de terceiros (comentários feitos por amigos e amigos de amigos que integram sua rede social no Facebook), tal como pretende a digníssima subscritora da reclamação disciplinar. 

Tal pretensão ministerial é incompatível com a natureza subjetiva, personalíssima e intransferível da responsabilidade disciplinar do Magistrado, por força do princípio constitucional da culpabilidade (nullum crimen sine culpa).

Assim sendo, a atribuição de responsabilidade pressupõe coeficiente subjetivo de culpabilidade do Juiz.

É decisivo assinalar que na esfera disciplinar inexiste responsabilidade objetiva, por presunção, por fato de outrem etc.

Por esse motivo, a representação disciplinar contra Magistrada jamais pode decorrer de comentários feitos por terceiros.

A todas as luzes, a representação disciplinar contra a peticionária consagra mal disfarçado paradigma de responsabilidade disciplinar objetiva, veementemente repelido pela doutrina mais avisada:

(...)

Nesse sentido é irrefutável a seguinte conclusão da Corregedoria-Geral do TJ/RJ: “Entretanto, repise-se, à Juíza reclamada  não se pode imputar mensagens outras originadas de outros personagens”. (Id. nº 2641140 - Pág. 3)

Ora, eventuais comentários de terceiros, ainda que teoricamente inadequados, foram provocados pelo próprio ofício ministerial – cujo despropósito, com o devido respeito, é manifesto – e não de hipotético desvio funcional da peticionária, que em momento algum ofendeu qualquer membro do Parquet.

Tanto é assim que a Corregedoria-Geral do TJ/RJ entendeu da seguinte forma:

“Não merece prosperar a presente reclamação em face da Juíza Cristiana de Faria Cordeiro, titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu/Mesquita. O conteúdo probatório, juntado pela reclamante, não é suficiente a fim de configurar qualquer violação da magistrada ao Código de ética da Magistratura, como quer a integrante da honrada Promotoria de Justiça desse Estado. O ofício, objeto deste procedimento e que deu azo à insatisfação por parte da ilustre promotora, não carrega caráter sigiloso, sendo certo que foi direcionado ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Itaguaí (CMDCA) e fez referência direta à Magistrada, que resolveu compartilhar em seu perfil na rede social facebook, sem que isso tenha o condão de configurar sequer tentativa de ataque à imagem da reclamante. Até esse ponto, e considerando que a postagem do ofício fora acompanhada de comentários da Juíza absolutamente divorciados de ataques ou palavras ofensivas à reclamante, não se pode afirmar que a reclamada se comportou de maneira inadequada perante às funções que exerce na vida pública.” (grifos nossos) (Id. nº 2641140 - Pág. 3)

Ante essas considerações, forçoso concluir que a pretensão ministerial não deve prosperar.

Com efeito, nos termos do entendimento deste E. CNJ, “doutrina e jurisprudência exigem prova induvidosa da ocorrência de um fato delituoso e prova ou indícios de autoria, sem as quais inexiste justa causa para a instauração de procedimento administrativo disciplinar”. 4

No caso concreto, é inquestionável que não há “prova induvidosa da ocorrência de um fato delituoso”, tendo em vista a clareza da decisão da Corregedoria-Geral do TJ/RJ:

“Desta forma, não há como esta instância inclinar-se no sentido de provocar a abertura de Processo Administrativo Disciplinar em face da reclamada, haja vista não haver conduta disciplinar a ser apurada. A própria LOMAN, em seu artigo 41, prevê que o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo nos casos de impropriedade ou excesso de linguagem”. (grifos nossos) (Id. nº 2641140 - Pág. 4) 

(...)

Por fim, é de se lamentar a postura da d. Promotora de Justiça, ao mencionar indevidamente suposto “histórico de reclamações anteriores” da peticionária.

A uma, pois tais reclamações são sigilosas por imposição legal.

A duas, porque essas reclamações foram todas arquivadas (doc. 08).

A três, porquanto os fatos apurados nessas reclamações não guardam a menor pertinência temática com o presente caso.

A toda evidência, o cenário acima traçado revela sanha persecutória abusiva, protagonizada por Promotora de Justiça cuja atuação deveria ser pautada pelo princípio da impessoalidade.

Em face do exposto, requer seja promovido o arquivamento desse procedimento, à míngua do imprescindível suporte probatório mínimo.” ID 3176042 – fls. 5/11.

Da análise dos documentos que instruem este feito depreende-se que a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem, o que torna desnecessária a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça no caso em comento.

Portanto, após análise do expediente disciplinar, bem como da leitura da defesa apresentada, não verifiquei razão jurídica bastante para revisar o procedimento ou instaurar processo administrativo disciplinar neste Conselho, razão pela qual determinei o arquivamento da RD objeto deste recurso.

Ressalto que, a parte recorrente nada apresentou que pudesse justificar o provimento do recurso administrativo, não tendo demonstrado que a decisão recorrida incorreu em erro de interpretação da legislação ou se equivocou na análise dos fatos, indícios e provas colacionados a estes autos.

 Assim, ante a inexistência de fatos novos capazes de infirmar os fundamentos da decisão de arquivamento, entendo que a decisão recorrida não merece reforma.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É como penso. É como voto. 

 

 

MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

S02/Z10/S13

 

RD Nº 0007002-55.2017.2.00.0000

Requerente:            Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - MPRJ

Requerido:              CRISTIANA DE FARIA CORDEIRO


   

VOTO CONVERGENTE

 

Adoto o esclarecedor e bem elaborado relatório apresentado pelo Exmo. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins.

Passo ao voto.

A presente Reclamação Disciplinar foi instaurada com o objetivo de reavaliar decisão proferida pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que determinou o arquivamento da reclamação instaurada em desfavor da Juíza de Direito Cristiana de Faria Cordeiro.

Em síntese, a reclamação formulada decorre do fato de ter a Juíza publicado em seu “facebook” ofício encaminhado pela Promotora de Justiça Fernanda Abreu Ottoni do Amaral, solicitando esclarecimentos a respeito da organização de evento realizado na Comarca de Itaguaí/RJ em 30.08.2017, sobre o tema da infância e juventude.

Dentre os questionamentos, buscou esclarecer o porquê da representante do Ministério Público local não ter sido convidada para participar do evento. Solicitou, ainda, a apresentação dos currículos de formação acadêmica dos palestrantes; informação sobre a liberação destes pelos respectivos órgãos de vinculação (exemplo: Defensoria Pública). Buscou saber até mesmo “(...) o motivo pelo qual o Colegiado optou por convidar autoridades de outras localidades e não aquelas em exercício neste comarca (Ministério Púbico, Defensoria Pública e Juízo da Infância e Juventude de Itaguaí), destacando-se que os três profissionais em exercício são titulares dos respectivos órgãos”.

Extrai-se dos autos que a publicação realizada pela magistrada em sua rede social foi objeto de comentários indelicados apresentadas pelos diversos visualizadores, que desdenharam das requisições formalizadas pelo MP.

Não obstante, apesar de inoportuna, não se vislumbra a existência de elementos suficientes para alterar a decisão proferida pela Corregedoria local, que após detida análise afastou sua atuação disciplinar.

Para o caso, é certo que a divulgação e seus respectivos comentários geraram um certo desequilíbrio entre a Magistrada e a representante do Ministério Público local, implicando numa indesejada desavença. Em verdade, cuida-se de uma publicação deselegante e efetivamente inapropriada para o esperado bom relacionamento das partes.

Diante do exposto, adiro ao voto proposto pelo e. Relator, Ministro Humberto Martins, para negar provimento ao recurso.

É como voto.

 

Arnaldo Hossepian Junior

Conselheiro

VOTO DIVERGENTE

Adoto o relatório lançado pelo eminente Relator.

No mérito, peço vênia para divergir de Sua Excelência.

Inicialmente, é importante destacar que neste momento procedimental não se está decidindo, de forma conclusiva, sobre a existência ou não de culpa da magistrada investigada.

A apuração, nesta fase, restringe-se à verificação da existência mínima de elementos referentes à justa causa, ou seja, indícios da materialidade dos fatos e de sua autoria.

Nesse sentido, revela-se oportuna a orientação da Suprema Corte:

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO.

[…] III - A valoração da prova que serviu de fundamento à instauração do processo disciplinar será própria do julgamento de mérito, não possibilitando sua análise nesta via. IV – A exigência de motivação para instauração do processo disciplinar é a presença de indícios de materialidade dos fatos e de autoria das infrações administrativas praticadas, o que foi atendido pela decisão combatida. [...]”

(MS 28.306/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 057 de 25/03/2011)

 

Conforme pontuado no relatório do eminente Corregedor e segundo os elementos constantes dos autos, os fatos que ensejaram a propositura desta Reclamação Disciplinar tiveram origem na realização do evento “Um olhar para a proteção da criança e do adolescente na modernidade” pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente de Itaguaí – RJ, em 30/08/2017.

Informada sobre a realização desse evento, a Promotora de Justiça Fernanda Abreu Ottoni do Amaral, titular da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude daquela Comarca, com o intuito de “compreender a dinâmica do evento” e atenta ao controle dos gastos do Fundo da Infância e Adolescência (FIA), no exercício da fiscalização de possível malversação de recursos desse fundo, expediu ofício ao mencionado Conselho Municipal, solicitando os seguintes esclarecimentos ao seu Presidente: forma de custeio do evento; se o evento estava sendo financiado por recursos do FIA; currículos dos palestrantes; qual o critério para a escolha dos palestrantes oriundos da Defensoria Pública (Dr. Eduardo Newton) e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Juíza de Direito Cristiana de Faria Cordeiro); se o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro havia sido convidado para participar da mesa do evento; o motivo pelo qual foram convidadas autoridades de outras localidades, e não aquelas com exercício na Comarca de Itaguaí, para participarem do evento.

Ao tomar conhecimento do pedido de esclarecimentos formulado pela Promotora, a magistrada Cristiana de Faria Cordeiro, participante do evento mencionado, publicou em sua página pessoal do Facebook, em 09/08/2017, o inteiro teor do ofício redigido por aquela, iniciando, segundo a autora desta RD, “uma série de comentários desrespeitosos, não só por ela própria, como também por outros indivíduos”.

Na referida publicação, a magistrada se expressou da seguinte forma:

 

“Eu sei quem sou. Nunca tive saco de atualizar meu [currículo] lattes. Sou uma pessoa com experiência. Espero iniciar em breve o mestrado na PUC, sob a batuta da indescritível Gisele Cittadino. O Eduardo Newton é mestre de uma oratória excepcional. Uma mente brilhante. O chatinho é ter de repetir aqui (tipo drill de musiquinha das forças armadas e do método que era usado pelo curso de inglês no qual lecionei por 9 anos) a velha frase de caminhão: “se sua estrela não brilha...”

E, já r...” (Id 2253935)

 

Da leitura da mensagem publicada pela requerida, pode-se concluir pela existência de indícios de cometimento de infração disciplinar pela magistrada, a merecer mais apurações.

Com efeito, os elementos dos autos indicam que a magistrada requerida, ao tomar conhecimento de Ofício expedido pela Promotora de Justiça Fernanda Abreu Ottoni do Amaral contendo solicitação de informações sobre o evento realizado, inclusive relacionadas à sua participação, publicou o ofício em suas redes sociais, dando abertura a diversos comentários por seus seguidores, muitos deles desrespeitosos e questionadores da atuação da instituição do Ministério Público, com entonações de “deboche”.

Além disso, evidenciam os autos que a magistrada teria publicado, no mesmo dia e, aparentemente, no mesmo contexto fático, em seu perfil no Facebook, um videoclipe da cantora carioca Valesca Reis Santos (conhecida como Valesca “Popozuda”), no qual aparece a seguinte legenda de trecho de música: “desejo a todas inimigas vida longa” (Id 2253939, p. 12), supostamente direcionado à Promotora de Justiça Fernanda Abreu Ottoni do Amaral.

Essas condutas da magistrada indicam aparente desrespeito à instituição Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e à sua representante, o que caracteriza indícios de violação dos deveres de urbanidade, de manutenção de conduta irrepreensível na vida pública e particular (previstos no art. 35, IV e VIII, da LOMAN) e de cortesia (previsto no art. 22 do Código de Ética da Magistratura Nacional), bem como da proibição de comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções da magistratura (art. 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

Dessa forma, verifica-se a existência mínima de elementos referentes à justa causa para a instauração de PAD.

Diante do exposto, divirjo da conclusão externada pelo e. Corregedor, Ministro Humberto Martins, e voto pela instauração de procedimento administrativo disciplinar em desfavor da Juíza de Direito Cristiana de Faria Cordeiro.

É como voto.

 

Brasília-DF, 25 de junho de 2019.

 

Conselheira DALDICE SANTANA

Brasília, 2019-11-05.