Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003481-92.2023.2.00.0000
Requerente: EDUARDO FERNANDO APPIO
Requerido: CORTE ESPECIAL ADMINISTRATIVA DA CORREGEDORIA REGIONAL

 


EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. AVOCAÇÃO DE PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. INDEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR. MANUTENÇÃO DO AFASTAMENTO DO JUIZ TITULAR DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS OU FATOS MODIFICADORES DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. INCONFORMISMO. RECURSO ADMINISTRATIVO IMPROVIDO. 

 

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso. Declarou impedimento a Conselheira Salise Sanchotene. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 15 de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Salise Sanchotene (impedimento declarado), Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003481-92.2023.2.00.0000
Requerente: EDUARDO FERNANDO APPIO
Requerido: CORTE ESPECIAL ADMINISTRATIVA DA CORREGEDORIA REGIONAL


 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

1. Trata-se de recurso administrativo interposto pelo juiz federal EDUARDO FERNANDO APPIO em face de decisão monocrática (Id. 5216602) que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar, mantendo o afastamento cautelar do magistrado investigado, ora recorrente, conforme determinado pela Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região no expediente disciplinar 0004349-50.2023.4.04.8000.

O recorrente argumenta que referida decisão deve ser reformada, pois estariam implementados os requisitos para a avocação do procedimento disciplinar (que tramita na Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região) por este Conselho Nacional de Justiça, uma vez que – conforme alega – a citada Corte Especial teria desrespeitado o devido processo legal e o contraditório e demonstrado flagrante descumprimento de necessária imparcialidade.

Conforme cópias da decisão cautelar e da certidão de julgamento referentes ao expediente disciplinar 0004349-50.2023.4.04.8000, da Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região, juntadas aos autos (Id 5158821), o expediente “(...) não visa apurar fatos relacionados à conduta do juiz federal Eduardo Fernando Appio, após sua remoção, no que tange a entrevistas, a atos processuais praticados etc. (...) está limitado à conduta extraprocessual do juiz federal Eduardo Fernando Appio logo após ter sido notificado acerca das primeiras correições parciais contra si deferidas (parcial provimento às correições parciais) pela 8ª Turma do TRF4”.

Do voto do Exmo. Corregedor Regional da Justiça Federal da 4ª Região (Id 5158821) extrai-se que, o desembargador federal Marcelo Malucelli noticiou que em 13/04/2023 seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, havia recebido ligação telefônica que entendia capaz de "evidenciar ameaças" a ele direcionadas, uma vez que:

“(a) realizada com número bloqueado (sem identificação do ID do chamador); (b) o interlocutor utilizou-se do nome de "Fernando Gonçalves Pinheiro" e identificou-se como servidor da área de saúde da Justiça Federal, o que posteriormente se verificou não ser verdadeiro, porque não existe servidor com esse nome na Justiça Federal da 4ª Região; (c) o interlocutor justificou estar utilizando o sistema Skype para economizar valores da Justiça Federal na ligação, quando não há essa política em âmbito institucional; (d) o interlocutor mencionou ter consultado bases de dados do imposto de renda do desembargador federal e se dirigiu diretamente ao filho desse desembargador, fazendo também menção a informações que não eram corretas e se contradiziam (dizendo que o número do celular pertenceria ao desembargador e, depois, ao seu filho); e (e) a ligação foi abruptamente encerrada pelo interlocutor, sem que houvesse alguma justificativa para que a ligação tivesse sido feita ou fosse daquela forma encerrada.”

 

Ainda conforme o voto do Corregedor Regional da Justiça Federal da 4ª Região, após apurações iniciais sobre acesso a número de telefone que foi utilizado em suposta ameaça a desembargador federal, a partir de publicação de print de tela do “eproc” com dados sensíveis do advogado, constatou-se que o juiz federal Eduardo Fernando Appio – ora recorrente – acessou o referido processo judicial duas vezes em 13/04/2023, em horário muito próximo àquele da ligação telefônica suspeita. Além disso, em 12/04/2023 (dia anterior à ligação telefônica), a 8ª Turma do TRF4 havia dado parcial provimento a correições parciais contra o juiz federal Eduardo Fernando Appio, determinando ainda, comunicação dos julgamentos à Corregedoria Regional, para providências contra o magistrado, figurando como relator o Desembargador Federal Marcelo Marcelo Malucelli (cujo filho foi o destinatário da ligação telefônica suspeita que desencadeou a instauração do expediente disciplinar objeto dos autos).

Com isso, a Presidência do TRF4 e a Corregedoria Regional noticiaram tais indícios à Polícia Federal e solicitaram realização de perícia para comparação da voz do interlocutor da ligação suspeita com a voz do juiz federal Eduardo Fernando Appio. Em resposta, a Polícia Federal remeteu ao TRF4 laudo pericial (Id 5168327), dando conta de que, a partir da comparação da voz do interlocutor da ligação suspeita com a voz do juiz federal Eduardo Fernando Appio, "corrobora-se fortemente a hipótese" de que a voz presente no vídeo que gravou a ligação telefônica recebida pelo filho do desembargador federal Marcelo Malucelli fora produzida pelo juiz federal Eduardo Fernando Appio, em nível "+3" ("o resultado corrobora fortemente a hipótese"), numa escala que vai do grau "-4" ("o resultado contradiz muito fortemente a hipótese (de origens diferentes)”) e "+4" ("o resultado corrobora muito fortemente a hipótese (de mesma origem)").

Assim, em razão do apurado, a Corregedoria Regional, com base no artigo 67 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no art. 14 da Consolidação Normativa da Corregedoria do TRF4, determinou a instauração do procedimento preliminar objeto deste Pedido de Providências, tendo como objetivo confirmar se houve ou não infrações disciplinares passíveis de apuração e responsabilização, relativamente às condutas em tese praticadas pelo magistrado Eduardo Fernando Appio.

Em seguida, o expediente disciplinar foi distribuído à Corte Especial Administrativa da Justiça Federal da 4ª Região, que – em sessão extraordinária convocada especificamente para o julgamento de referido expediente – decidiu, por maioria, afastar cautelarmente o referido magistrado, determinando, ainda, a devolução e acautelamento dos equipamentos eletrônicos funcionais utilizados pelo juiz federal.

Em face de tal decisão, o recorrente, Juiz federal Eduardo Fernando Appio, ingressou com o presente Pedido de Providências, requerendo a avocação do citado expediente disciplinar em trâmite perante a Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região.

Conforme fundamenta o recorrente, disposições constitucionais conferem ao Conselho Nacional de Justiça a competência para rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais (artigo 103-B, §4º, da Constituição da República Federativa do Brasil) e para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura (artigo 103-B, §4ª, inciso I, da Constituição Federal).

Nesse sentido, o recorrente argumenta que o artigo 79 do Regimento Interno do CNJ prevê que a avocação de processo de natureza disciplinar em curso contra membros do Judiciário dar-se-á mediante representação fundamentada de membro deste Conselho.

Para o peticionário, a imediata avocação do expediente disciplinar pela Corregedoria Nacional de Justiça impõe-se não somente em razão da destacada posição hierárquica do Conselho Nacional de Justiça perante os órgãos correcionais dos Tribunais locais e pela possibilidade de controle ulterior das decisões da Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região por parte do CNJ, mas também porque a Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região não reuniria as condições necessárias para promover o devido processo legal, bem como o julgamento justo do peticionário, o que já teria se materializado – conforme argumenta o recorrente – no afastamento de suas funções sem sequer promover o mínimo contraditório através de sua oitiva prévia e pela suposta quebra da cadeia de custódia das provas.

Assim, o juiz Eduardo Fernando Appio conclui que, por ter sido afastado sem sequer lhe ter sido oportunizado o direito de ser ouvido previamente, o órgão local não reuniria as condições necessárias para conduzir as investigações e promover um regular processo administrativo.

Com isso, requereu em sua petição inicial:

“(a) Diante do dano irreparável e da flagrante violação às garantias processuais e materiais relativas à inamovibilidade no exercício da jurisdição, a imediata suspensão, por Vossa Excelência, da decisão administrativa cautelar da Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região que afastou o Peticionário, submetendo-a, ato contínuo, a referendo do Plenário desse E. CNJ. Ainda com relação aos severos danos, insta consignar que a Corte Especial Administrativa desrespeitou o sigilo inerente aos feitos dessa natureza, criado para evitar ampla publicidade e proteger a jurisdição. Além disso, o Peticionário foi violentamente privado de qualquer acesso ao prédio da Justiça Federal e confiscados seu laptop e celular funcional, ao passo que o suposto ato infracional não guarda nenhuma relação com a atividade jurisdicional do Peticionário, medidas tão virulentas estas sem nenhum precedente nos Tribunais brasileiros por conta de uma suposta infração que poderia conduzir, no máximo, à pena de remoção compulsória da vara;

(b) A formulação de representação, por parte de Vossa Excelência, no sentido da avocação dos expedientes disciplinares, no estado em que se encontram, em face do Peticionário na Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região;

(c) A promoção de correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, inclusive tendo em vista a redução injustificada da estrutura administrativa à disposição do Peticionário, o que acarretou, inclusive, o envio de comunicação à Vossa Excelência recentemente para apontar a descabida redução do quadro de pessoal e de gratificações, em prejuízo da prestação jurisdicional.”

 

Posteriormente, em petição, o magistrado ainda alegou que a decisão local que o afastou cautelarmente de suas funções teria contrariado a decisão liminar referendada pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal que, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.638, suspendeu a eficácia do §1º, do artigo 15, da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 135/2011, uma vez que a decisão da Corte Especial Administrativa do TRF4 teria baseado a possibilidade de afastamento cautelar do magistrado antes de instaurado procedimento disciplinar justamente nesse fundamento normativo.

Segundo o peticionário – ora recorrente –, na mencionada ADI, o Supremo Tribunal Federal teria decidido que o afastamento de magistrado antes da instauração do processo administrativo disciplinar, por implicar em restrição às garantias da inamovibilidade e da vitaliciedade, exigiria a edição de lei em sentido formal e material, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo.

Em petição de Id 5168326, o magistrado federal requereu a imediata concessão de medida liminar determinando a sua reintegração à condição de Juiz Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba – PR. Isso porque o parecer técnico produzido pelo Professor Adjunto do Laboratório de Fonética do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Professor Pablo Arantes (Id 5168329 e Id 5168330), ao analisar o laudo pericial produzido pela Superintendência Regional de Polícia Federal(Id 5168327) que serviu de fundamento para a decisão do Órgão Especial do Tribunal local que afastou cautelarmente o magistrado de suas funções, apontou a existência de diversas inconsistências e falhas técnicas, concluindo, por fim, que o nível correto de semelhança entre a voz da ligação telefônica ao filho do desembargador Marcelo Malucelli e a voz do juiz federal Eduardo Appio deveria ser indicado na escala como “0 (zero)” e não como “+3”.

Com a reiteração do pedido de concessão de medida liminar para determinar o retorno do magistrado às atividades jurisdicionais, foi proferida a decisão monocrática (Id 5216602), objeto do recurso administrativo em questão, que indeferiu o pedido liminar e, por consequência, manteve o afastamento cautelar do magistrado investigado, ora recorrente, com os seguintes fundamentos:

 

Cumpre ressaltar, inicialmente, que o pedido de avocação do procedimento administrativo disciplinar instaurado em face do requerente pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região apenas justificar-se-ia se fosse evidente, “ictu oculi”, a parcialidade do órgão administrativo originariamente competente. No caso vertente, verifica-se, conforme consulta realizada no Pje-cor, que o feito tem o seu curso regular, com a apresentação de defesa prévia e requerimento de produção de provas pelo investigado, consistente no pedido de espelhamento das mídias apreendidas, o que foi deferido pela autoridade competente.

O procedimento administrativo tem observado, portanto, em análise preliminar, os primados do devido processo legal e do contraditório, não havendo, nesse momento processual, eiva ou qualquer circunstância fática que autorize a sua avocação por esta Corregedora Nacional, sem prejuízo de, ao longo da instrução processual, surgirem elementos de convicção novos que autorizem conclusão diversa.

Em relação ao pedido liminar do requerente, de imediato retorno à atividade jurisdicional, cumpre tecer breves considerações.

É inegável que o afastamento do magistrado investigado que comete conduta, em tese, de natureza grave, é corolário do poder-dever geral de cautela que pauta os procedimentos de natureza administrativa em geral, conforme consta expressamente da Lei 9.784/1999, inclusive sob a forma “inaudita altera pars”.

Nesse diapasão, a atuação do órgão administrativo competente, decorrente do citado poder-dever geral de cautela, no exercício do poder instrutório relacionado aos procedimentos voltados à apuração de infrações disciplinares praticadas por magistrados, relaciona-se à função precípua de garantia da observância aos princípios previstos no art. 37 do diploma constitucional.

Via de consequência, a função de controle interno do Poder Judiciário, de forma ampla, ganha contornos próprios e ainda maior amplitude quando praticada no bojo de tais procedimentos, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4709 (“o controle interno do Poder Judiciário coaduna-se com os valores republicanos e com a necessidade de manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” – ADI 4709, rel. Ministra Rosa Weber, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022).

Tal raciocínio deve ser aplicado à interpretação das normas que regulamentam não só a atribuição constitucional do Corregedor Nacional de Justiça, mas também a atribuição de controle interno reservada aos órgãos administrativos locais, como já reconhecido pelo STF. Dentro do poder geral de cautela e das medidas assecuratórias praticadas ao longo da apuração de infrações disciplinares por magistrados, a possibilidade de determinação do afastamento do magistrado investigado, antes ou durante a apuração, bem como por meio de provimento plenário (art. 27, §3º, da Loman) ou monocrático, possui importante papel.

Com efeito, assim prevê o art. 15 da Resolução 135/2011 (...)

(...)

Não por acaso, indica o §1º do referido normativo a “necessidade e conveniência” para aferição acerca do cabimento da medida. Ainda que se saiba ser medida de caráter excepcional, foi descrita em suas hipóteses com acepção ampla, no tocante aos requisitos à determinação de afastamentos cautelares de magistrados submetidos a tais procedimentos disciplinares.

Revela-se, na esteira do que ocorre com os procedimentos de natureza administrativa “lato sensu”, como importante mecanismo para prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa, não possuindo a finalidade de intimidar ou punir os infratores, mas sim a de evitar a continuidade da prática de comportamentos de efeitos danosos. Ainda que tais atos de natureza cautelar sejam determinados sem a oitiva da parte contrária, não significam o desrespeito ao contraditório ou à ampla defesa, na medida em que apenas invertem a ordem concernente a tal manifestação, à luz da natureza indiciária e preliminar da fase que antecede a abertura do PAD. Na fase posterior, oportunidade em que realizada a dilação probatória e cognição aprofundada e exauriente da questão, haverá a oitiva e ampla participação da parte.

Os requisitos da medida não estão expressos exaustivamente pela Resolução 135/2011 ou pela Loman, seguindo, como já se pontuou, a análise acerca da necessidade e conveniência, como meio de cessar os prejuízos causados ou que possam vir a ocorrer.

Tais prejuízos, ao longo do tempo e construção jurisprudencial advinda de decisões plenárias do Conselho Nacional de Justiça, foram identificados, primordialmente, com a gravidade das condutas que estão sendo objeto da apuração.

Sob tal prisma, as condutas praticadas de caráter grave podem ser consideradas não só aquelas que possuem, por consequências, repercussões imediatas à atividade contemporaneamente realizadas pelo magistrado (caráter de continuidade da conduta e/ou comprometimento das atividades atuais), mas também aquelas que, já realizadas, têm o condão de gerar mácula na imagem do Poder Judiciário e na confiança do jurisdicionado face a tal Poder (“manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” – ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022), em situação que certamente seria profundamente majorada ante a constatação, por esses mesmos jurisdicionados, de que o investigado permanece, incólume, no exercício de sua função.

Por fim, a verificação acerca de efetivo prejuízo e/ou interferência nas investigações em curso (necessidade de assegurar o resultado útil da apuração), caso o magistrado permaneça no exercício das funções, também autoriza a realização do poder de cautela pelo órgão administrativo competente, na esteira do que prevê o art.15, caput e § 1º, da Resolução 135/2011.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal indica convergência a essa linha de atuação, confirmando hipóteses de afastamento cautelar do magistrado, ainda que em fase indiciária como a que antecede a abertura do PAD ou a sua finalização (...)

(...)

No caso em tela, evidenciam-se elementos suficientes à manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações, conforme decidido pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Com efeito, constata-se a gravidade das condutas praticadas, na medida em que a conduta do magistrado investigado aparenta configurar possível ameaça à Desembargador daquela Corte, havendo ainda elementos que apontam que o investigado se utilizou de dados e informações constantes do sistema eletrônico da Justiça Federal para aquela finalidade, passando-se por servidor do Tribunal. A utilização dessas informações para constranger ou intimidar Desembargador do Tribunal representa, por si só, em tese, conduta gravíssima e apta a justificar o afastamento provisório e cautelar do magistrado sob investigação, ora peticionário.

Verifica-se, ainda, que a continuidade do magistrado investigado no exercício da atividade jurisdicional poderia atrapalhar a regular apuração de todo o ocorrido, com o livre acesso aos sistemas de informática da Justiça Federal e a possibilidade de manipulação de dados essenciais à Investigação, o que também constitui outro fundamento relevante para a manutenção do seu afastamento.

Por fim, cumpre mencionar que esta Corregedoria Nacional determinou a instauração da correição extraordinária na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba e nos gabinetes dos Desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, procedimento que se encontra em curso e que visa à apuração de responsabilidade funcional de todos os magistrados daquelas unidades judiciários, como é o caso do ora peticionário. A existência de procedimento investigativo instaurado nesta Corregedoria, em pleno andamento, corrobora a necessidade de uma cautela maior na apuração do cumprimento dos deveres funcionais por todos os magistrados envolvidos.

(...) 

 

            Com isso, após a apresentação das informações requisitadas ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Id 5220520), o magistrado interessado interpôs o recurso administrativo em questão (Id 5223766) reiterando os seus argumentos acima expostos e pleiteando:

a)            a concessão de medida liminar para fins de suspender a decisão administrativa cautelar da Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região que determinou o afastamento do recorrente do exercício da função jurisdicional;

b)            Subsidiariamente, a suspensão da Sessão Extraordinária de 24 de julho de 2023 da Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região – que tem como pauta a instauração de procedimento disciplinar administrativo contra o magistrado recorrente – até que este Conselho Nacional de Justiça delibere sobre o presente recurso administrativo;

c)            a retratação da decisão que indeferiu a avocação do mencionado procedimento disciplinar em trâmite na Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região;

d)            Subsidiariamente, em não havendo referida reconsideração no prazo de cinco dias, a submissão do presente recurso administrativo à apreciação do E. Plenário deste Conselho Nacional de Justiça. 

 

 

É o relatório.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003481-92.2023.2.00.0000
Requerente: EDUARDO FERNANDO APPIO
Requerido: CORTE ESPECIAL ADMINISTRATIVA DA CORREGEDORIA REGIONAL

 


VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

2. Em seu recurso administrativo, o magistrado Eduardo Fernando Appio reitera os mesmos argumentos já apresentados em sua petição inicial do pedido de providências, especialmente os relacionados à ocorrência de supostas afrontas ao devido processo legal, ao contraditório e à imparcialidade do órgão julgador, o que seria suficiente – conforme alega o recorrente – para a avocação de procedimento disciplinar por este Conselho.

Tais argumentos já foram considerados e apreciados exaustivamente por este Relator na decisão que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar para o retorno do magistrado recorrente à atividade jurisdicional.

3. O recorrente não traz à colação qualquer argumento ou fato novos aptos a modificar os fundamentos da decisão recorrida, demonstrando seu inconformismo com o indeferimento do pedido liminar e antecipando e renovando argumentos de mérito que não comportam análise nesta fase processual, voltada à análise, principalmente, da pertinência e necessidade do afastamento cautelar do magistrado imposto pela Corte Especial Administrativa da Justiça Federal da 4ª Região.

4. Nesse sentido, frise-se que o procedimento preliminar investigativo, que antecede possível procedimento administrativo disciplinar (PAD), possui natureza indiciária, admitindo-se – excepcionalmente e desde que devidamente fundamentada e demonstrada sua necessidade – a mitigação do contraditório. Assim, em uma ponderação de princípios entre o direito ao contraditório prévio e a necessidade de se garantir o processo e assegurar o resultado útil da apuração quando essa estiver em risco, na referida fase preliminar investigativa, é possível a adoção de um contraditório diferido, a se aplicar após a decretação de medidas cautelares, que tem também o poder geral de cautela como fundamento permissivo.

Essa possibilidade de decretação de medida cautelar antes da instauração do PAD encontra guarida no §1º, art. 15, da Resolução 135/2011, deste Conselho Nacional de Justiça:

 

Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

§1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar. 

 

5. Esclarece-se que, apesar da alegação do recorrente de que referido dispositivo da Resolução CNJ 135/2011 estaria suspenso devido à concessão de liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4638, houve recente julgamento da questão pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que na Sessão Virtual que se encerrou em 30/06/2023 finalizou o julgamento de referida ADI e julgou improcedente a ação quanto ao §1º do art. 15 da Resolução CNJ 135/2011, ficando vencida a tese que declarava a inconstitucionalidade da expressão “antes da instauração do processo administrativo disciplinar”.

Assim, admite-se – com base em previsão normativa deste Conselho Nacional de Justiça – o afastamento cautelar do magistrado antes mesmo da instauração do PAD, desde que devidamente fundamentado.

Nesse mesmo sentido, importante colacionar – como já exposto na decisão recorrida – o entendimento do Supremo Tribunal Federal, confirmando hipóteses de afastamento cautelar do magistrado, ainda que em fase indiciária como a que antecede a abertura do PAD ou a sua finalização, a saber: 

AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INDÍCIOS DE INFRAÇÕES DISCIPLINARES PRATICADAS POR DESEMBARGADORA INTEGRANTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL. INDÍCIOS DE USO DA CONDIÇÃO DE DESEMBARGADORA PARA EXERCER INFLUÊNCIA SOBRE JUÍZES, DIRETOR DE ESTABELECIMENTO PENAL E SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA, NO AFÃ DE AGILIZAR O CUMPRIMENTO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS QUE GARANTIA A REMOÇÃO DE SEU FILHO PARA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA. APARENTE VIOLAÇÃO DE DEVERES ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NECESSÁRIO AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES JURISDICIONAIS E ADMINISTRATIVAS, ATÉ DECISÃO FINAL DO PAD. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. ART. 27, § 3º, DA LOMAN. ART. 75 DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ART. 15 DA RESOLUÇÃO 135 DO CNJ. ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDAS AO CNJ. ART. 103-B, § 4º, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DEFERÊNCIA. CAPACIDADE INSTITUCIONAL. HABILITAÇÃO TÉCNICA. JUSTIFICAÇÃO IDÔNEA DO AFASTAMENTO DA MAGISTRADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DE EXAME APROFUNDADO DE FATOS E PROVAS EM SEDE MANDAMENTAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O afastamento cautelar de magistrado encontra respaldo legal no art. 27, § 3º, da LOMAN, no art. 75 do RICNJ e no art. 15 da Resolução CNJ 135/2011, que prevê ao Tribunal a possibilidade de decidir “fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral”.

2. O art. 205 do Regimento Interno desta Suprema Corte, na redação conferida pela Emenda Regimental 28/2009, autoriza o relator a julgar monocraticamente o mandado de segurança quando a matéria em debate for objeto de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.

3. A Constituição da República atribui expressamente ao CNJ a competência para instauração de processo administrativo disciplinar contra magistrado que praticar ato definido em lei como infração administrativa (CRFB/1988, art. 103-B, § 4º, I e III).

4. In casu, a decisão do CNJ de afastamento cautelar da impetrante do exercício das funções de Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul e Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul decorreu (i) da gravidade dos fatos objeto das imputações, que, de acordo com o órgão de controle, lançam fundadas dúvidas quanto à lisura e imparcialidade sobre as decisões em geral por ela proferidas e, principalmente, (ii) da existência de elementos suficientes para suportar a conclusão de que a permanência da Desembargadora no cargo poderá colocar em risco a instrução processual, mercê das imputações girarem em torno da utilização do prestígio e da influência do cargo para a obtenção indevida de benefícios ilícitos.

5. O Supremo Tribunal Federal não é instância recursal das decisões administrativas tomadas pelo CNJ no regular exercício das atribuições constitucionalmente estabelecidas, de sorte que, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, impõe-se ao Poder Judiciário a  autocontenção (judicial self-restraint) e deferência às valorações realizadas pelos órgãos especializados, dada sua maior capacidade institucional para o tratamento da matéria.

6. O ato impugnado encontra-se devidamente justificado e está dentro do espectro de competências do CNJ, o que revela ser a causa petendi do mandamus de todo incompatível com o rito especial do mandado de segurança, mormente por não estar demonstrado, por meio de prova inequívoca, ilegalidade ou abuso de poder praticado pela autoridade impetrada a evidenciar violação a direito líquido e certo.

7. Agravo interno DESPROVIDO. (MS 236.037 Agr, Primeira Turma, rel. Min Luiz Fux, DJe 07/08/2019, data de julgamento: 28/05/2019).

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO. AVOCAÇÃO DO PROCESSO PELO CNJ. 1. Mandado de Segurança impetrado contra decisão do CNJ que (i) anulou o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar realizado no tribunal de origem, em que se aplicou a penalidade de aposentadoria compulsória a magistrado; (ii) avocou o processo para posterior julgamento pelo CNJ e (iii) manteve o afastamento cautelar do magistrado. 2. Como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado. Não se identifica qualquer dessas hipóteses. 3. Não há ilegalidade no ato coator, tendo em vista que o CNJ possui competência constitucional para avocar processos disciplinares em curso (art. 103-B, §4º, III, CF), assim como para rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (art. 103-B, §4º, V, CF). 4. Além disso, diante das circunstâncias dos autos, se revela plenamente razoável a manutenção do afastamento cautelar do magistrado. (MS 35.100/DF, rel. Min Fux, red. Para acórdão Min. Luís Roberto Barroso, DJe 15/06/2018, data de julgamento: 08/05/2018) 

 

MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADA DA JUSTIÇA DO PARÁ. ALEGADA ATUAÇÃO IRREGULAR EM AÇÃO DE USUCAPIÃO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E AFASTAMENTO CAUTELAR DA IMPETRANTE DAS FUNÇÕES JUDICANTES. ALEGAÇÃO DE DESPROPORCIONALIDADE: IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUTIR FATOS E PROVAS EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTES. ANÁLISE RESTRITA À ADEQUAÇÃO DOS MOTIVOS DO ATO ADMINISTRATIVO (INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE INDEPENDÊNCIA, IMPARCIALIDADE E PRUDÊNCIA) COM A MEDIDA ADOTADA: AUSÊNCIA DE EXCESSO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.

(...) apesar de a instauração de processo administrativo disciplinar não impor necessariamente o afastamento do magistrado do exercício das funções, essa medida de natureza cautelar pode ser adotada quando a continuidade do exercício do ofício judicante pelo investigado puder, por exemplo, interferir no curso da apuração ou comprometer a legitimidade de sua atuação e a higidez dos atos judiciais” (MS 33.081, rel. Min Cármen Lúcia, DJe de 1º/3/2016, data de julgamento: 29/2/2016)

  

Indicando convergência a essa linha de atuação, foi julgado o seguinte pedido de providências recentemente submetido ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO 135/CNJ. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO, COM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. CRIME DE TRÂNSITO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA AO PRÓPRIO FILHO. VIOLAÇÃO A IMPEDIMENTO LEGAL. CENSURA. APLICAÇÃO INADEQUADA. BUSCA PELA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. 

(...)

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso.

5. Não é recomendável que o magistrado que tenha despachado o processo envolvendo o próprio filho permaneça em atuação na mesma comarca, transmitindo aos jurisdicionados a falsa impressão de que é autoridade plenipotenciária e que tudo pode, inclusive decidindo questões de seu interesse privado. A conduta do magistrado maculou de forma grave a imagem do Poder Judiciário, com evidente perda da confiança dos jurisdicionados da Comarca na sua atuação. Necessário seu afastamento cautelar.

6. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ. (PP 0002447-53.2021.2.00.0000, 360ª sessão Plenária, 22/11/2022).

 

6. No caso concreto, conforme já exposto na decisão recorrida que indeferiu o pedido liminar – cujos fundamentos devem ser aqui reiterados na íntegra –, a medida cautelar imposta em desfavor do juiz federal Eduardo Fernando Appio – ora recorrente – foi pautada na demonstração específica de riscos reais ao resultado útil da apuração, uma vez que ficou demonstrada a possibilidade concreta do investigado comprometer a escorreita colheita do conteúdo probatório. A decisão liminar da Corte Especial Administrativa da Justiça Federal da 4ª Região demonstrou, ainda, a existência da falta funcional e indícios de sua autoria, com a apresentação de relatórios de acesso a dados pessoais constantes nos sistemas da Justiça Federal e de perícia realizada pela Polícia Federal. E a proporcionalidade da medida foi justificada com espeque na gravidade das imputações feitas ao magistrado, que envolve a suposta prática de condutas como se passar por servidor do Judiciário e utilizar dados constantes nos sistemas da Justiça Federal para supostamente proferir ameaças ou intimidação contra desembargador que havia decidido pela instauração de correição parcial em desfavor do magistrado investigado.

Além disso, consulta ao PJeCOR e às informações fornecidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no documento de Id. 5220520 indicam que foi realizado o contraditório diferido no procedimento investigativo preliminar anterior ao PAD. O feito tem o seu curso regular, com a apresentação de defesa prévia e requerimento de produção de provas pelo investigado, consistente no pedido de espelhamento das mídias apreendidas, o que foi deferido pela autoridade competente.

Nesse sentido, importante ressaltar que – conforme consulta ao PJeCOR –, o procedimento investigativo preliminar levou à instauração, em sessão realizada no dia 24/07/2023, de procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o magistrado (ora recorrente), tendo a Corte Especial Administrativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região referendado a decisão que afastou cautelarmente o magistrado Eduardo Fernando Appio das atividades jurisdicionais, conforme o Acórdão que segue abaixo:

 

CORTE ESPECIAL ADMINISTRATIVA. CONDUTA DE MAGISTRADO. PROCEDIMENTO INCORRETO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO. CABIMENTO. AFASTAMENTO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. NECESSIDADE PARA RESGUARDO DA JURISDIÇÃO E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MANUTENÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES.

1 – Investigação preliminar que reuniu suficientes indícios de autoria e de materialidade a caracterizar a justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar em face de magistrado por procedimento incorreto diante da seguinte delimitação dos fatos e da respectiva acusação: 1.a - Magistrado que, em tese, descumpriu os deveres de manter conduta irrepreensível e digna e de atuar com imparcialidade, prudência e transparência ao realizar consulta a dados de sistema restrito a que tem acesso (consulta de dados de advogados no eproc) para intimidar, constranger ou ameaçar desembargador federal, fazendo uso de acesso privilegiado aos sistemas da Justiça Federal da 4a Região para fins alheios aos interesses estritamente institucionais, na atividade-fim, que lhe é atribuída. Possíveis ofensas ao art. 35, VIII, da LC 35/1979 (manter conduta irrepreensível na vida pública e particular), ao art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional (comportamento na vida privada de modo a dignificar a função, com consciência de que a atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral) e art. 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional (vedação de proceder incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções). 1.b - Magistrado que, em tese, descumpriu os deveres de manter conduta irrepreensível e digna e de atuar com imparcialidade, prudência e transparência, ao efetuar ligação por meio de telefone sem identificador de chamada, não se identificando corretamente e se passando por terceira pessoa (servidor da área de saúde do TRF4, pessoa inexistente), para intimidar, constranger ou ameaçar outro magistrado que se encontra no exercício de suas atribuições funcionais, ao realizar ligação para filho de desembargador federal que figurou como relator em correições parciais nas quais aquele julgador figurou, logo após ter sido comunicado das decisões desfavoráveis proferidas pela turma julgadora do TRF4 e, nesse contexto, tecer afirmações relacionadas a suposta consulta à base de dados da Receita Federal em nome do desembargador-relator, com menção a valores a devolver e a despesas médicas, como se detivesse informações de cunho relevante, capazes de causar algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça ao desembargador-relator, ou a seu filho, e, ao final, questionar sobre a possibilidade de este "ter aprontado" (“E o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada?”). Ofensas ao art. 35,incs. IV VIII, da LC 35/1979 (dever de tratamento com urbanidade aos advogados e aos funcionários e auxiliares da Justiça; dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular), ao art. 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional (vedação de proceder incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções) e aos arts. 4º, 10, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura (dever de não interferir, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega magistrado; dever de atuação transparente do magistrado; comportamento na vida privada de modo a dignificar a função, com consciência de que a atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral; vedação de proceder incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções

2 - Determinação de instauração de processo administrativo disciplinar. Possibilidade de sanção disciplinar. 3 – Sob o amparo do art. 29 da LC 35/79, do art. 15 da Res. 135/2011 do CNJ e do §7º do art. 71 do RI-TRF4, impõe-se o afastamento do magistrado durante o prazo ordinário para a conclusão do expediente disciplinar, sem prejuízo de posterior proposta pela renovação ou pela revogação a ser submetida pelo respectivo relator à Corte Especial Administrativo, a fim de assegurar a produção probatória, resguardar a segurança dos envolvidos e garantir a isenção do execício da atividade jurisdicional na unidade de origem até que se esclareçam e se apurem eventuais responsabilidades quanto aos fatos noticiados nestes autos.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial Administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, (i) POR UNANIMIDADE, instaurar processo administrativo disciplinar contra o Juiz Federal Eduardo Fernando Appio, no qual há de ser assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa ao investigado a fim de que os indícios e provas reunidos nesta investigação preliminar sejam devidamente apreciados e provados; (ii) POR UNANIMIDADE, determinar que o processo administrativo disciplinar ora instaurado tramite sem restrição de sigilo; (iii) POR MAIORIA, vencidos parcialmente o Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado que entendia pela desnecessidade do afastamento cautelar do magistrado, e o Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti que entendia pela remoção do magistrado para Vara com competência previdenciária por período mínimo de cinco anos, determinar a manutenção do afastamento do magistrado de sua atividade jurisdicional, assim como das medidas cautelares anteriormente decretadas por esta Corte Especial Administrativa, pelo prazo necessário à conclusão do processo administrativo disciplinar, fixando-o em 140 dias nos termos do artigo 74 do Regimento Interno deste Tribunal, ressalvando-se a possibilidade de cessação do afastamento na hipótese de haver a conclusão do processo em prazo inferior, bem como de sua prorrogação caso assim venha a ser requerido pelo Relator do PAD e aprovado por este Colegiado pelo quórum a tanto necessário; (iv) POR MAIORIA, vencidos parcialmente os Desembargadores Federais Luiz Fernando Wowk Penteado e Rômulo Pizzolatti que sugeriam ajustes à redação proposta para o acórdão deste julgamento, aprovar a proposta de acórdão consolidada pela Corte Especial Administrativa contendo a imputação dos fatos e a delimitação do teor da acusação, para os fins do disposto no § 6º do artigo 71 do Regimento Interno deste Tribunal e no § 5º do artigo 14 da Resolução CNJ 135/2011; e (v) POR UNANIMIDADE, comunicar de forma imediata o resultado da deliberação desta Corte Especial Administrativa, assim como enviar cópia da ata desta sessão à Corregedoria Nacional de Justiça, nos termos do voto da Relatora e Corregedora Regional, com os acréscimos trazidos nos votos dos Desembargadores Federais Márcio Antonio Rocha e Salise Monteiro Sanchotene, tudo de acordo com o relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. 

Com isso, não estando configurada a alegada parcialidade do órgão julgador, bem como por todo o exposto, não se afigura ser o presente caso de avocação do PAD já instaurado pelo órgão julgador competente, não sendo cabível – ao menos neste momento processual – a revisão do mérito da decisão da Corte Especial Administrativa da Justiça Federal da 4ª Região, uma vez devidamente fundamentada a decretação da medida cautelar atacada.

Por fim, frise-se mais uma vez que esta Corregedoria Nacional determinou a instauração da correição extraordinária na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba e nos gabinetes dos Desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, procedimento que se encontra em curso e que visa à apuração de responsabilidade funcional de todos os magistrados daquelas unidades judiciárias, como é o caso do ora recorrente. A existência de procedimento investigativo instaurado nesta Corregedoria, em pleno andamento, corrobora a necessidade de uma cautela maior na apuração do cumprimento dos deveres funcionais por todos os magistrados envolvidos.

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto.

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

 

 

F69/J15 

 .